a Sobre o tempo que passa: Confissões metapolíticas IV

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.7.05

Confissões metapolíticas IV

Dentro da pátria, em pleno exílio, vou cultivando a revolta. Faço parte daqueles grupos que sofrem uma conspiração de silêncio, só porque não gostam de beber água nas fontes das intelectualices que estão na moda. Os outros têm toda uma plateia de patetas, formada principalmente pelos professores dos ensino preparatório e secundário que vão, entre si, fecundando frustrações e desfazendo a cabecinha dos nossos filhos. Estes cultores da opinião dominante, estes carneirinhos intelectualóides que se vão masturbando em grupo. Sou mesmo do contra, mesmo do contra.



Não há revolução cultural possível quando o pretenso contrapoder não passa do mais extremado dos situacionismo. Filhos do iluminismo pombalista, adoradores de um catedratismo saneador, bajuladores de um positivismo serôdio, todas estas teias de aranha não conseguem ensinar ninguém a pensar.



O país dos intelectuais é uma balança sem fiel, onde todos os pesos pendem para o lado canhoto e quer transformar o que resta do Portugal que pensa numa simples colónia cultural da estupidez de uma sub-Europa de exportação para as bolsas terceiro-mundistas das respectivas periferias.



O jornalismo de ideias vigente constitui hoje uma das primeiras cabeças do chamado quarto poder, procura constituir uma nova espécie de catedratismo, desse que outrora foi representado pelas universidades. É a chamada cultura empresarial, medida pelos padrões da compra, esse parecer a que falta o ser e que acaba por ser medido pelo ter. Ele representa o que de mais vácuo há nessa ponte do tédio que vai do poder para a cultura. Representa entre nós de forma suave e gaguejante o que de pior têm os Maxwell, os Murdoch e os Berlusconi, esses que vendendo pornografia e análises de política internacional, conseguem marcar o ritmo dos que pensam pensar. Surge assim um pensamento em Portugal que nada tem de português, constituindo a principal via da nossa nova forma de colonização cultural.



Ele constitui, de facto, um dos principais factores de poluição do nosso ambiente. Alguém que, circulando na cauda de todas as indas, se vai aproveitando dos efeitos pós-revolucionários, acabando por triunfar sem nunca arriscar. Ele fomentou a revolução dando palmadinhas nas costas aos ministros do marcelismo. Em seguida, acabou por usurpar a liderança da AD, para, depois ser um dos seus principais coveiros, ao lado de Diogo Freitas do Amaral. É, sem dúvida, aquilo que de pior nos trouxe o crepúsculo do ancien régime e o cinzentismo da pós-revolução. O símbolo do extremo-centro devia, com efeito, ascender ao clímax da merdosidade em que vamos chafurdando: devia candidatar-se a presidente da nossa república, devia ser eleito, devia mandar mesmo.



Não haverá nenhum manifesto anti-Dantas, capaz de proclamar revolta. Não haverá ninguém capaz de dizer que o rei vai nu. Não. O situacionismo, incapaz de entender estas questão, lá se vai suicidando, pela criação de incomensuráveis distâncias entre o país político e o país real. Isto é, o país vai ficando cada vez mais estreito, cada vez mais fechado sobre fantasmas, cada vez mais prisão, para quem sente a liberdade, para quem apenas tenta encontrar o bom senso. Eis o aberrante do situacionismo, porque apenas acirrou como oposição o que de pior tem o esquerdismo, isto é, aquela faceta não liberdadeira do jacobinismo.