Homo cavaquistanensis, homo suaresensis ou o regresso ao estudo dos nossos primitivos actuais
Sobre as candidaturas presidenciais que por aí circulam, já muito subliminarmente devo ter comunicado que estou condenado a votar em quem não apoio e que, à partida, sou, pessoalmente, um perdedor. Penso que todos estes bailados de apoiantes, comandantes e honrados, a que se seguem os blogues oficiais, oficiosos e de apoio, são um excelente sismógrafo que detecta as movimentações profundas do ambiente societário que cerca os aparelhos de Estado e que confirma a impotência reformista desta multidão solitária a que condenaram os homens comuns.
O choque do "homo cavaquistanensis" com o "homo suaresensis" deste nosso rotativismo de orçamentos quase sempre iguais constitui um espectáculo igual ao da notícia do "Correio da Manhã", segunda a qual a Fundação Mário Soares recebeu, entre Fevereiro de 2002 (Governo Durão Barroso) e Julho de 2005, 867 055, 94 euros dos ministérios da Defesa, da Cultura, da Administração Interna, através do Governo Civil do Distrito de Leiria, das Actividades Económicas e do Trabalho, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional, e da Presidência do Conselho de Ministros. Coisa que, de forma transparente, pode ser confirmada pelo "Diário da República" e que nada deve ter de ilícito, porque a instituição produziu obra, como a poderia produzir uma eventual Fundação Cavaco Silva, que até poderia contar com a colaboração dos ex-soaristas João Carlos Espada ou Fernando Rosas.
Apenas sugerimos que se façam adequados registos do nosso processo de "pantouflage" entre as candidaturas presidenciais e as várias fundações que recebem apoios do Estado ou dão apoios a gentes da partidocracia, abrindo um capítulo especial para a avençagem e subsidiocracia dos chamados artistas e homens de letras, incluindo universitários. As listagens que publiquei sobre as comissões de honra dos três principais candidatos constituem um excelente objecto laboratorial para a demonstração da rigidez castiça das nossas pretensas elites capitaleiras e estato-dependentes. Bastaria uma pequena digressão genealógica, para concluirmos que os efectivos donos do poder dos dias de hoje são filhos dos homónimos do Estado Novo e da Primeira República e netos dos devoristas da monarquia constitucional.
Mantendo-se as tradicionais técnicas de co-optação, geridas a partir de um sistema de ensino pouco propenso à efectiva igualdade de oportunidades e à meritocracia, apenas teremos os tradicionais bailados verbais e certa retórica de música celestial, onde não faltarão os tradicionais caça-fascistas, filhos, sobrinhos ou afilhados de ministros do fascismo a procurarem no outro uma diabolização que, afinal, está dentro deles. E quase ninguém repara que este regime já tem o dobro do tempo da Primeira República e está a oito anos de atingir a provecta idade da governação salazarenta.
Há momentos de nuvens acumuladas que nos dão a volta por dentro e até nos impedem de brincar à heteronomia. Apesar de tudo, ainda há gente que quando diz não o diz definitivamente e atinge pontos de não regresso. Porque há palavras de esperança que se entretecem de renúncias, longas cartas de princípios que se escrevem, mas não se enviam e rupturas que apenas são continuidade de procuras, mesmo que sejam denúncias face à injustiça que nos cerca.
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