a Sobre o tempo que passa: Os velhos irmãos-inimigos e o totalitarismo doce do centrão

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

21.12.05

Os velhos irmãos-inimigos e o totalitarismo doce do centrão



E lá vamos tendo que ouvir a repetição do duelo presidencialicida entre aqueles que sobre nós exerceram, durante uma década, o supremo poder da coabitação, esse espectacular confronto entre os dois irmãos-inimigos, representantes, em Portugal, das duas principais forças partidárias multinacionais da Europa e que geraram e alimentaram o presente situacionismo. Porque foi de tal coabitação que nasceram as grandezas e misérias do presente sistema.

Ambos estão a disputar o grande oceano daquele milhão de eleitores flutuantes desse totalitarismo doce do centrão sociológico e do consequente Bloco Central de interesses que, estando a ganhar ou a não perder, nunca admitiu o risco da mudança, nomeadamente daquelas reformas estruturais que nos poderiam reconduzir à aventura de um caminho feito à imagem e semelhança do português à solta.



Ambos são mais passado social-democrata e estatista do que de um necessário futuro liberal e comunitário. Ambos são uma espécie de garantia da continuidade partidocrática e banco-burocrática, constituindo um adequado seguro de vida para a direita dos interesses e a esquerda do cultural e politicamente correcto.



Nenhum deles poderá assumir a bandeira do humanismo libertacionista ou do ardor vanguardista da revolução, dado que apenas nos oferecem o mais do mesmo, com dois estilos que são dois homens e, consequentemente, duas personalizações do poder. Dois feitios diferentes para a mesma moeda gasta pela usura do tempo.



De um lado, uma saudável salazarização democrática. Do outro, o revigoramento de um republicanismo laicíssimo, mas tolerante. Ambos do agradável daquela grande casta burguesa, sempre moldável aos sinais da moda, para que tudo continue como dantes, com o quartel-general longe de Abrantes.

É entre os dois passados que, infelizmente, estamos obrigados a escolher, para que se mantenha a lei do rotativismo do presente situacionismo sistémico, para que o eleitorado finja diversidade só porque não põe os ovos no mesmo cesto.



Afinal, depois de uma década de interregno entre o filho soarista, chamado Guterres, e os filhos cavaquistas, chamados Barroso e Santana, retomamos a década de 1985-1995, mas já sem Delors, com Guterres na ONU, Barroso na UE e Santana a andar por aí, arrependido de ter largado os paços do concelho de Lisboa, sem antes se candidatar a Belém. Venha o povo e escolha as respostas que a ditadura dos perguntadores lhe oferece.