a Sobre o tempo que passa: Tecnocracia, subsidiocracia, empregomania, futebolítica, bufaria e teatrocracia. Viva o pão e o circo!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.12.05

Tecnocracia, subsidiocracia, empregomania, futebolítica, bufaria e teatrocracia. Viva o pão e o circo!


Fui à SIC-Notícias fazer uma leitura dos jornais do dia, neste peso diário de hiper-informação que é emitida em Portugal, onde publicamos. quotidianamente, quase mais do que os caracteres das obras completas de Fernando Pessoa. Tive que começar por comentar o debate da alegre cavaqueira, acentuando que nenhum deles denunciou os poderes das televisões, que excluíram a participação dos candidatos fora da pentarquia sistémica, assim demonstrando quem são os efectivos donos do poder em Portugal. E repeti, sobre esta matéria, o que divulguei no postal anterior, observando que houve cerca de 57% dos portugueses que nem assistiram à coisa. Aliás, se um extra-terrestre aqui aterrasse repararia que continuamos a viver num Estado-Espectáculo onde o circo domina o pão e onde a política continua a ser usurpada pela tecnocracia, pela subsidiocracia, pela empregomania, pela futebolítica, pela bufaria e pela sondajocracia teatrocrática.



Comecei por salientar a nova referente à abolição dos exames de português e de filosofia, como disciplinas obrigatórias, no 12º ano, o que reflecte a terceiro-mundialização crescente de quem nos quer trasformar em tradutores em calão do "software" alheio, renunciando à autonomia cultural dos produtores de ideias, dado que os responsáveis educativos parecem preferir o "saber-fazer" da tecnologia à sabedoria, num programa que, conforme a moda avalióloga, pretende transformar as universidades em meras escolas politécnicas e onde as ciências humanas são uma espécie de flor na lapela intelectualóide, para uso dos ajudantes das grandes potências que culturalmente nos colonizam de certas más empresas e empresários lusitanos que ameçaam serem eles a definir quais são as boas universidades. E o país-matriz da quinta língua do mundo que também é o principal veículo comunicacional do hemisfério sul, parece contente em ser provinciano, na sequência do processo de extinção das velhas Faculdades de Letras...



Denunciei o pacovismo da revolta de Freitas contra a proposta britânica de orçamento para a União Europeia e que anuncia o fim da subsidiocracia da mão estendida. Não reparámos como, ao termo-nos submetido à PAC conveniente para o eixo franco-alemão, aceitámos liquidar a nossa agricultura, porque a entendemos como mera actividade económica, quando ela devia ser assumida como questão global de memória pátria, de povoamento e de luta contra a desertificação do país interior. Notei como Alegre e Cavaco se irmanaram oportunisticamente na denúncia da chamada Constituição Europeia, assim divergindo de Sampaio, mas não resiti e referi a flutuação oportunista de Freitas, um exemplo de coerência, dado que o ex-líder da direita denuncia agora o governo de Londres, como se este não fosse da esquerda trabalhista, comportando-se como um sindicalista à Alberto João Jardim que usa a voz forte para um argumento fraco. Referi também que a posição de Barroso pode não coincidir com a do interesse nacional português.




A terceira perspectiva comunicativa que referi tem a ver com a falência técnica da CP, agora confirmada pelo Tribunal de Contas. A companhia, que é das mais velhas heranças do nosso intervencionismo estadual na economia, caiu no caos do Estado-Empresário e do Bloco Central de interesses, em nome de certa emprogomania e de certa economia mística, mostrando como, neste sistema, um Estado forte na banha aparelhística, não tem a autoridade da musculatura e da calcificação dos ossos, quando precisávamos, em certos locais, não de menos Estado, mas de mais Estado, nomeadamente na luta contra a evasão fiscal e a corrupção.



A quarta leitura que fiz tem a ver com a futebolítica e com a existência de tantos jornais diários sobre a matéria e que constituem um espelho do país. Uma consequência do tal espectáculo circense que também passa pelas telenovelas e pelos "reality shows". Ainda há dias, verificava que o Marítimo, amplamente subsidiado pelo Estado para crescimento do desporto nacional, apresentou-se com dez em onze jogadores estrangeiros, no chamado campeonato nacional.



A quinta leitura preparada acabou por não ser comunicada, visando a transcrição das escutas do processo da Casa Pia, que teve como veículo um diário dito sensacionalista. Assim se confirma como a bufaria inquisitorial e pidesca continua em forma. Porque, como se dizia numa dessas escutas, "quem manda é o verdadeiro poder". Mal acabou o debate, um velho jornalista meu amigo telefonou-me e disse que se eu continuasse a dizer destas coisas, nunca mais me convidiriam. Por mim, prefiro que a voz me doa.