Vencendo as nuvens de que se faz viagem
Eis-me sentado, em espera, à tua espera, aqui, no meio de tanta gente onde até somos ninguém. Aqui à espera, à tua espera, como se fosse a primeira vez. Aqui sentado, em espera de alguém que há-de vir do mais além, vencendo as nuvens de que se faz viagem. Aqui sentado, entre vidraças abertas e gente em seu vaivém, aqui sentado, à espera, à tua espera, nas asas deste sonho reencontrado.
Que flor, que rio, quantas areias virão dentro de ti? Que névoa se guardará na curva terra de teu colo? Que tempo fará quando for dia e as mãos do sol, pela manhã, abrindo as janelas da cidade, nos inundarem de luz? Que mares trarás nos braços redes com que vais colhendo os restos dos naufrágios a que nos demos? Que tempo fará quando voltares e, à tua beira, sorver o tempo de sonharmos?
Aqui à espera, em tua espera, escrevendo por ter de escrever o que vou guardando, sem saber. Aqui à espera, em tua espera sorvendo assim o fogo lento deste dia. Aqui à espera, em tua espera, onde sei quem na verdade sou, onde, perdido, me encontro e reencontro e assim preso, me perco e redifino, no espaço livre que me dão teus braços. Aqui à espera, em tua espera, sorvendo a cartografia sentida da memória, neste mapa de silêncio que me dá força de chegar.
Vieste em deserto, assim dentro de mim e, no fundo do tempo de quem sou, longo mar me deu sinal, imensas dunas divagando nas veias de um tempo feito semente. Sim! Foi aqui e agora, num pedaço de tempo a que me dei, foi aqui e agora num mais além guardado e segredado, neste verde onde recolho o rumo que me segura, quando apetecia que o tempo se detivesse no longo declive de uma qualquer duna, que a tâmara trouxesse o sabor maduro que me deu a sombra de teu colo. Porque éramos desterro e desafio e, livres, nos prendemos a quem somos.
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