Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
• Bicadas recentes
Estes "breves aforismos conspiradores, sofridos neste exílio interno, lá para os lados de São Julião da Ericeira, de costas para a Corte e com os sonhos postos no Atlântico..." começaram a ser editados em Setembro de 2004, retomando o blogue "Pela Santa Liberdade", nascido em Maio de 2003, por quem sempre se assumiu como "um tradicionalista que detesta os reaccionários", e que "para ser de direita, tem de assumir-se como um radical do centro. Um liberal liberdadeiro deve ser libertacionista para servir a justiça. Tal como um nacionalista que assuma a armilar tem de ser mais universalista do que soberanista". Passam, depois, a assumir-se como "Postais conspiradores, emitidos da praia da Junqueira, no antigo município de Belém, de que foi presidente da câmara Alexandre Herculano, ainda de costas para a Corte e com os sonhos postos no Atlântico, nesta varanda voltada para o Tejo". Como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las"......
Este portal é pago pela minha bolsa privada e visa apenas ajudar os meus aluno. Não tive, nem pedi, qualquer ajuda à subsidiocracia europeia ou estatal
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O vudu dos mortos-vivos e um intervalo de não-bombardeamento em plena guerra
Hoje, trinta e um do mês sete, quando em 1826, D. Isabel Maria jurava a Carta, quando, em 2001, morria Francisco da Costa Gomes, que, aliás, estão um para o outro, em cinzentismo e rolhice. Porque ontem, se tivesse teclado, também teria de assinalar que, em 1930, no dia 30, surgia um decreto do Conselho de Ministros criando a União Nacional, o antipartido que seria o partido único do regime que estava antes deste, tal como em 1931, nessa data de 30, era criada a Polícia Internacional Portuguesa, base da futura PIDE, que era bem mais domesticamente a polícia política da coisa salazarenta, onde ninguém me é capaz de dizer, ao certo, quem era o criador ou quais eram as criaturas, porque todos se foram amalgamando no vudu dos mortos-vivos.
Começo assim, naturalmente, porque os bombardeamentos no Médio Oriente terão sido suspensos e não há repórteres de guerra que nos tragam novas do Afeganistão e do Iraque. Só há guerra nos sítios para onde vão a CNN, a BBC e a SKY. E as guerras todas acabam quando Londres e Washington decretam que acabem, ao fazerem uma dessas efectivas cimeiras que tanto dispensam a ibérica presença de Barroso e de Solana como irritam os restos gaullistas ou mitterrandistas de Paris, sem que alguns dos mais atlantistas dos nossos deputados europeus, exprimam, em palavras épicas, a respectiva indignação, dado que se transformaram em meros caçadores de anti-semitas domésticos.
Em tempo de homens ditos realistas, importa ter o realismo de ser idealista
Começo por recordar. Que na data de hoje, em 1914, com a declaração de guerra de Viena à Sérvia, se iniciaram oficialmente as hostilidades daquilo que, então, se assumiu como a Grande Guerra, que seria a última, mas que, afinal, não passou da I Guerra Mundial, depois de haver a Segunda. E a maior parte dos problemas que podem provocar as guerras mundiais de hoje ainda são problemas que este primeiro confronto pseudo-gnóstico não resolveu.
Comemorava então o seu aniversário, pelas doze primaveras, um tal Karl Raimund Popper, que a si mesmo se veio considerar como o último filósofo das luzes e a quem devemos a explosão solar que, na estrada para Damasco, cegou, de tanto brilho, alguns ex-ilustres marxistas-leninistas-estalinistas lusitanos, os tais que, mantendo ainda hoje a metodologia do georgiano, mas mudando de amanhãs que cantam, ainda por aí cantarolam o popperismo, procurando candidatar-se a supremos inquisidores da palaciana república. Por mim, já conhecia Popper antes de os ditos desembarcarem na biblioteca onde abriram as respectivas páginas pela primeira vez e continuo a não obedecer-lhes, embora tenha obediência.
Pedimos desculpa por esta interrupção dos nossos comentários de guerra. Vou ler em arquivo directo a última intervenção de Bush, porque os nossos propagandistas do dito talvez tenham cometido o erro de serem mais bushistas do que o próprio Bush. Queria acrescentar que, apesar de tudo, em matéria de política internacional, ainda sou do partido de Woodrow Wilson que, em tempo de homens lúcidos, tinha a lucidez de ser ingénuo. Até Hannah Arendt, que era judia, militaria aqui. Onde esperamos receber o mais lúcido contributo do próprio Bento XVI. Não tardará muito. Dizem que está a ler o relatório sobre o bombardeamento de alguns conventos no Líbano e a retomar o discurso de João Paulo II sobre o espírito de Assis.
Mare nostrum, mare liberum... viva o princípio da âncora!
A guerra que não é guerra continua a queimar terra e consciências, enquanto passo os olhos pela agenda das efemérides e reparo que neste dia do ano de 1970 morria António de Oliveira Salazar, enquanto em 1953 se firmava o acordo de armistício que punha termo à guerra da Coreia, tal como ontem se assinalou a nacionalização do canal do Suez (1956) e a independência da Libéria (1847). Mas não vou falar de Salazar, nesta semana em que se ficaram a conhecer outros passamentos de alguns dos seus colaboradores, desde o fotógrafo e assassino de serviço, cujo nome não indico, a outros "zombies" que ainda andam por aí. Odeio quem odeia. E respondo ao ódio com o imprevisto da tolerância e o exercício do verbo que não precisa de concessões de verba e de chefia de contínuos. Resistirei sempre ao terrorismo de Estado.
Prefiro reflectir sobre o próprio sítio onde estou, numa espécie de exercício geopolítico dos afectos, aqui, à beira da extremidade ocidental do que foi o "mare nostrum" ou mar interior, dito mediterrâneo, onde a curva do mar antigo acaba e começa o mar sem fim, dito atlântico, o tal que apetece sonhar. Aquele que vira as costas à terra de guerra e, de olhos postos no infinito, a caminho do Sul, continua a tentar provar que a terra é circum-navegável, se rodarmos em torno do nosso próprio eixo, para parafrasear Toynbee. Só assim podemos aceder ao tal abraço armilar que é partir para regressar. "Mare nostrum, mare liberum".
Perante a desesperada falta de soluções da racionalidade finalística, importa passear pelo tal lume da profecia, a que Weber chamou racionalidade axiológica. O recurso à violência estadual, mesmo na sua forma de guerra, pela qual os homens continuam a optar é sempre um mau conselho. Não vale a pena optarmos por ainda mais guerra e até sonharmos com esse clímax da violência institucional que é o uso ou a ameaça de uso daquilo a que demos o nome de "absolute weapon", coisa que acontece quando alguns têm a ilusão da nova forma de solução final.
Prefiro continuar a pensar mar, aqui no limite Sudoeste daquilo que foi a "respublica christiana" e a "pax romana", neste pedaço de terra que teve de ser reconquistado ao Islão, de que fizemos moiras encantadas, tal como em Marrocos ainda se fala nas portuguesas encantadas. Sou da terra de Alcácer Quibir, fui derrotado por eles, ajudados que foram por huguenotes e protestantes ingleses, quando D. Sebastião tentava criar um triângulo estratégico que passava pelo Rio de Janeiro e de Luanda, para assim recriar um novo "mare nostrum". E é com a memória do derrotado que não me apetece voltar a ser derrotado. Porque também sei que vencer é ser vencido, como me foi ensinado por Fernando Pessoa. Salazar cai sempre de uma cadeira e pobre do verbo que depende da verba, ou da ideia que precisa de bombas para converter.
Voltemos à liberdade livre da imaginação como terceira potência da alma, a tal que nos treina para a transgressão criativa da rebeldia e da insolência do sonho. As crises de anarquia criativa podem corresponder a incubações que precedem a chegada das grandes emergências que juntam convergência e divergência, essas mudanças dramáticas que se traduzem pela bela quebra de fronteiras entre territórios até então hostis. Também no Médio Oriente poderemos sonhar como corpos vivos de povos que regressem, para organizações de complexidade crescente.
Basta que regressemos a forma intuitivas de ideação. As tais que ainda não se sistematizaram por uma engenharia piramidal de conceitos, as tais formas de libertação que nos permitem voltar a ter organização, mesmo que seja organização inter-estadual. Estou a ler Koestler e aí reparo que uma organização é uma espécie de árvore, onde a hierarquia é feita de ramos superiores e inferiores, onde os superiores aparecem aos inferiores como um todo, dotado de unidade, mas onde os superiores olham para os inferiores como partes vivas e autónomas desse mesmo todo. Onde cada parte, mesmo a superior, é dotada de complexidades, isto é, marcada pelo princípio da autonomia, onde a variedade gera unidade, não pela unidimensionalização da bomba, mas pela subsidiariedade. Onde o controlo do todo pelas partes é levado a cabo pelo fluxo da rede, da unidade na diversidade. Pela tal coisa a que chamamos democracia. E que pode ser universal. Porque as coisas antigas podem não ser antiquadas. Como num barco ultra-sofisticado pelo choque tecnológico que não abandona o princípio da âncora, que sempre foi esperança.
De mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista
De boas intenções, continua a estar o inferno das nossas guerras cheio, com destaque para parte significativa dos nossos gongóricos analistas de política internacional, especialistas na ciências dos prognósticos depois do jogo findo. Porque quem ousa mergulhar nas arriscadas ondas da conjuntura, apesar de poder ser arrastado por uma vaga imprevista, raramente tem ciência certa , muito menos daquela que é subsidiada pelo poder absoluto da ordem estabelecida. Só que pode seguir o bom conselho dos velhos, mas não antiquados mestres que, parafraseando o bom Padre António Vieira, sempre misturaram o lume da razão com o lume da profecia, mesmo sem necessidade de bruxarias anti-semitas ou anti-islâmicas. Só poderemos navegar à volta do nosso mundo de forma flexível, se tivermos uma rota de princípios e conseguirmos vislumbrar o sol de frente, decifrando os sinais do tempo.
Tanto devemos denunciar o terrorismo dos poderes erráticos como o terrorismo de Estado, nomeadamente a persistente aplicação de técnicas de guerrilha pelos burocratas da razão de Estado, nomeadamente os que continuar a perfilhar a tese segundo a qual os fins justificam os meios, quando são sempre os meios que justificam um certo fim. Até porque o adversário, profundamente conhecedor de tal técnica do realismo, pode entrar nos requintes da dissimulação combatente.
Numa guerra não está apenas em causa o choque de forças brutas sobre uma terra de ninguém ou uma terra previamente queimada. Em qualquer teatro de operações, há sempre aldeias, vilas e cidades, bem como populações, gentes, multidões e pessoas. E há também, de um lado e de outro, choques de pensamentos e ideias, num jogo onde normalmente perde o que julga deter o monopólio da inteligência, subestimando o outro, isto é, o que é normalmente o diferente, ou o que está mais longe das nossas concepções do mundo e da vida.
Seria interessante que, face à presente crise, os nossos analistas fossem além das glosas e comentários aos vanguardismos da CNN e da Sky-News, tendo a prudência de se munirem com um qualquer intérprete de árabe que lhes desse a perspectiva do que consideram o lado de lá. Assim, até poderiam comunicar-nos como a coisa está a ser transmitida e opinada para as multidões árabes e islâmicas que, do Magrebe à Indonésia, também consomem quotidianamente o drama. Urge ultrapassar a parte que tornaram visível deste "iceberg", sentindo os outros, os que são diferentes do nosso humanismo laico e do nosso humanismo cristão, procurando outros mundos do nosso próprio mundo. O que não está nas "breaking news" pode também ser notícia.
Nesta guerra de informação e contra-informação, em que nos querem fazer a todos contendores, mesmo aqueles meios de comunicação que têm a ilusão de ser isentos acabam por estar dependentes dos armazéns de informação fornecida por suspeitos grossistas dos serviços secretos e das agências oficiosas que a utilizam como arma de guerra. Entre o porta-voz do Hezbollah que faz visitas guiadas aos técnicos da psico que colocam os nossos repórteres de guerra em postos de recolha de imagem previamente articulados pelo processo de controlo da informação, que venha o Diabo e escolha...
Daí o logro daquela hiper-informação que nos vai inundando com notícias secundárias ou repetindo pormenorizadas descrições de indícios banais, onde a floresta dos dados, muitas vezes, apenas pretende desviar a atenção relativamente ao essencial das movimentações que vai circulando por trás das cortinas do visível. O nosso palco dos destaques é curto demais, face aos breves minutos de uma parangona, que é incompatível com a reflexão. Por mim, continuo de mal com Israel por amor do Líbano e de mal com sírios e iranianos por amor da democracia pluralista e anti-fundamentalista. Até porque quando um processo destes atinge a turbulência do "out of control", o crime parece sempre compensar e torna-se bem estreito o espaço dos homens livres e da força da razão.
Aliás, o consumidor da informação de guerra tem sede de sangue sensacionalista e gosta de excitar-se em "voyeurismo" com buracões de bombas e filas de refugiados que procuram escapar ao inferno. Porque assim poderemos estar a alimentar aquilo que Hannah Arendt qualificou como a banalidade do mal que sempre foi uma das mais maléficas e massificadas consequências da própria guerra, nesta aldeia pretensamente global da ilusão hiper-informada a que estamos condenados.
Todos carregamos dentro de nós um pedaço desse lado pútrido da natureza humana, aquela parcela de lodo onde assentámos os pés, mas donde também podemos olhar as estrelas. E todos persistimos em ver o mundo desse lastro de mal que nunca conseguiremos extirpar e onde até quem quer ser anjo acaba por tonar-se a habitual besta das sonoridades sem sentido.
O poder e a consequente guerra que ele gera e que por ele é gerada são constantes em permanente tensão dialéctica com o lado divino desta mistura que nos faz homens. Sempre em equilíbrio instável, entre a procura do paraíso e a matreirice paisana. Há coisas que todos temos medo de dizer, imagens proibidas que nos sobressaltam os sonhos, coisas que nos vão zurzindo a memória e que todos temos receio de verbalizar. Porque, entre as mãos de medo e os filamentos de sonho, apenas sabemos que temos de continuar a viajar por dentro dessa procura, tecendo a esperança. Há sempre restos de um bom tempo por cumprir e, grão a grão, podemos lançá-los numa corrente libertadora, para que naveguemos o mar sem fim que já foi português.
Contra a implosão do nosso mar interior e a necessidade de regresso ao olhar antropológico
Perante a crise, confesso que não consigo, nem devo, tomar partido, dado que tanto nutro as naturais simpatias das democracias ocidentais para com as concepções do mundo e da vida que sustentam o Estado de Israel, como sinto admiração por aqueles povos árabes que ousam resistir em defensão da sua pátria e sonham com a ressurreição da respectiva civilização. Não sou de "pogroms" nem de "cruzadas". E não posso esquecer que o conflito em crescendo acontece nesse berço da nossa cultura, donde nos vieram o Antigo Testamento, os Evangelhos e as próprias navegações dos fenícios, que fizeram Sagres e deram nome a Lisboa. Tudo são pilares daquilo que somos.
Porque todos emergimos nesse espaço do velho mar interior que era o centro do mundo, onde Moisés, Cristo e Maomé geraram profundas correntes de uma única civilização com vários rostos que, ao assentar em terra de gregos, romanos e bárbaros até nos levou àquele renascimento medieval dos séculos XII e XIII que produziu o reino de Portugal, a escolástica, as universidades, o comércio, a moeda e a semente da actual Europa das autonomias. Até porque intelectuais como São Tomás de Aquino puderam cristianizar os pensadores da Grécia Antiga porque teóricos judeus e árabes os haviam conservado e regenerado. O Ocidente que somos nunca o seria sem esse cruzamento de rotas e sem que tivéssemos derrubado os muros da vergonha em que assentava o falso choque de civilizações.
Da mesma forma, não podemos deixar de sublinhar que o mais recente nacionalismo árabe foi gerado por um cristão sírio, Michel Aflak, o tal que tentou aplicar, a outra gente do mesmo livro, os princípios que mobilizaram os europeus nos séculos XIX e XX. Só expatriando-nos nas nossas próprias origens poderemos aceder ao necessário diálogo de diferentes. Porque todas as civilizações são filosoficamnete idênticas. Heidegger e Toynbee assim nos ensinaram. Logo, só assumiremos a democracia como valor universal quando ela puder ser perspectivada de um lugar islâmico, para que deixe de ser algo de estrangeiro e estranho que a muitos apareça como agente de colonização cultural.
Temo que a anunciada intervenção da NATO como força de ocupação do Sul do Líbano, mesmo que tal tenha sido convencionado pelo G8 e receba a benção da ONU, possa levar àquelas bandas do Levante alguma confusão quando repararmos que aí poderão desembarcar as antigas forças colonizadores, desde os otomanos aos britânicos e franceses, dado que os norte-americanos estão preocupados com a ocupação do Iraque e o conflito do Afeganistão. Temo que tal força possa transformar a mão armada da bela Carta do Atlântico numa espécie de ajudante da superpotência que resta.
É evidente que, se eu fosse libanês, depois da casa bombardeada e da rua esventrada, preferirira o menos mau ao péssimo e saudaria a imediata chegada desse do mal, o menos que até o diabo escolheria. Mas convém reparar que, muitas vezes, o feitiço se volta contra o feiticeiro, sobretudo quando o desencadeador do processo de turbulência deixa de conseguir segurar todas as pontas da teia e nos estatela a todos no jogo do desespero terrorista. Basta reparar que foram os maus cálculos da CIA na luta contra o sovietismo que geraram os Bin Laden. E que foram os rápidos e impensados acordos de cessar-fogo que provocaram os Hamas e os Hezbollah. Tal como foi a maericanização à força pela via dita do autoritarismo modernizante que gerou, além de Soraya e Farah Diba, o regime dos ayatollah. E em todos os casos, perdem sempre os moderados, defensores da democracia pluralista e do patriotismo universal, bem como, indirectamente, o jogo dos "great powers" que os costumam usar e deitar fora.
Julgo que seria bem melhor não termos derrubado os Mossadegh ou diabolizado os baasismos. Os homens do departamento de Estado de Washington e os serviços secretos da superpotência ganhariam em paz se tivesse um adequado olhar antropológico que nos permitisse aceder ao sentido universal do abraço armilar. Confesso que também seria tentado pelos ayatollah se fosse colonizado pelos meus amigos americanos que seguissem os conselhos de um qualquer agente de segunda classe que considerasse como o nosso principal intelectual o Professor Sword e apontasse para a elevação a ministros dos estrangeiros de Vasco Rato ou a ministro da defesa de Luís Delgado. Ou até que sugerisse uma edição em banda desenhada da revista "Atlântico", saudando a edição do Livro Azul do Pensamento de Paulo Portas. Porque lhes poderiua acontecr o inveitável de uma negociação com o próprio diabo, quando reparasse que já não basta a manipulação informativa com palavras de dois bicos.
Contra as guerras santas desta nova guerra dos cem anos
Chegam novas das normais anormalidades de uma geurra que nem sequer é guerra e sobre a qual todos preferimos lavar as mãos como Pilatos, despachando fundos de ajuda humanitárias, barcos para evacuações e muitos repórteres de guerra.
Eis mais uma daquelas situações que não está tipificada num qualquer artigo do direito internacional público positivado pelos vencedores. E que nem sequer mereceu um adequado tratamento conceitual pela dogmática dos profissionais do dito.
E muitos não reparam que a principal função do jurídico é pedir-lhe que dê respostas a zonas de não-direito, daquele "iuristitium", onde continuam a preponderar as decisões em estado de excepção, dado não haver aquele monopólio legítimo da violência legítima, com que o Estado de Direito tentou adocicar o Leviathan.
Porque as soberanias dos Estados a que chegámos vivem um desafio concorrencial de poderes mais fortes do que os de alguns Estados, onde tem razão quem vence e onde, também muitas vezes, vence quem não tem razão.
E é nesta terra de ninguém que brota a guerra, a qual é mais essencialmente guerra quando não é declarada e assim até escapa às tradicionais formas de controlo da guerra que, a posteriori, temos tentado catalogar.
Resta a total irracionalidade do confronto entre o amigo e o inimigo, especialmente cego quando é alimentado por fundamentalismos, étnicos, ideológicos ou religiosos.
E quando a esse explosivo complexo, juantamos o messiânico e a teocracia, o resultado é este imprevisível do "out of control".
Por isso é que importa reforçar, com coragem, realismo e adequado subsolo filosófico, a força do pensamento de todos aqueles que sempre lutaram pela paz através do direito, segundo a proposta de Hans Kelsen.
Importa alertar para a impossibilidadede continuarmos a usar os remédios do soberanismo estadualista e do seu filho dilecto, o direito dito internacional e dito público, que só existe quando se integra nas teias da hierarquia das potências e serve de discurso de justificação para os vencedores.
Em nome dos meus irmãos libaneses, defensores do pluralismo democrático anti-fundamentalista que, ainda há pouco tempo, nas ruas do civismo, clamavam contra assassinatos terroristas promovidos por Damasco, defendendo o direito à pátria e à liberdade de expressão de pensamento, protesto contra a circunstância de agora terem sido bombardeados, num processo cego onde continua a pagar o justo pelo pecador.
Só podemos combater o etrrorismo quando apostarmos na criação de alguns segmentos de república universal, com um direito efectivamente universal e uma qualquer parcela de monopólio legítimo da violência legítima que possa cumporir o abraço armilar. Algo que dê força à justiça e ajude os homens de boa vontade. Não vale a pena termos a ilusão do habitual cortejo de neofeudalismos que marca a hierarquia das potências, onde o equilíbrio se não mede pelo fiel da justiça, mas pela espada desembainhada dos que podem aplicar a força em tempo oportuno
Olho ao longe, nas sombras húmidas da miragem, sinais de um novo mundo por achar, de ilhas por descobrir, de portos seguros que procuro. Olho ao longe a verdade de uma miragem que é espelho dos próprios sonhos que trago dentro de mim. E no sangue da paisagem continuo a procurar o que não acho. É além que posso redescobrir o poder-ser que guardo em mim. Sempre esta metafísica quotidiana de ser manhã e acordar-me sem angústia, vencendo as dores que se diluem por este corpo a que me prendo e de que dependo. Apenas falta um qualquer som interior que me dê a melodia obsidiante donde possa surgir a poesia. Para que um breve verso, palavra a palavra, me dê poema. Porque apesar de me sentir grão de areia no universo, também sinto que tenho de resistir como o centro do próprio mundo, quando a escrita consegue voltar a ser ritmo, fluindo por mim dentro em harmonia, fazendo com que a própria paisagem que me rodeia se dilua nas sombras do pensamento. Sobretudo quando me sinto mais do que eu e me perco, feito pedaço de todos os outros, ousando varar o firmamento. É por isso que não farei discurso sobre a guerra que nos devasta. Prefiro saudar o sol que nos chega de nascente. Sempre.
Uma semana fora dos blogues e entrevista a O Diabo
Durante cerca de uma semana, estarei ausente, aqui do blogue, até por razões de saúde. Mas antes de largar, recordo que hoje, se comemora a criação do I Governo de Vasco Gonçalves (1974), o começo do funcionamento regular da linha telegráfica entre Lisboa e o Porto (1856), a fundação da Cruzada Nun'Álvares (1918) e a constituição do partido da Esquerda Democrática (1925).
Também nos próximos dias não poderei assinalar, no dia 19, a fundação do CDS (1974) e a primeira maioria absoluta de Cavaco (1987). No dia 21 a chegada do homem à lua (1969). No dia 22, a subida de Barroso à comissão da UE (2004). No dia 23, o I governo constitucional de Soares (1976). No dia 24, o desembarque dos pedristas em Lisboa (1833). No dia 25, o regresso dos jesuítas (1880). Terei tempo, depois.
Para o silêncio que farei a seguir, deixo entrevista que concedi ao jornal O DIABO e que hoje deverá ser publicada:
— Há elites em Portugal? — Elites quer dizer eleitos e eleitos, julgo que os temos. Resta saber se os eleitos são os melhores e se são uma efectiva aristocracia, isto é, os melhores. Aliás, a expressão «elites» é um pouco antiquada, talvez seja melhor dizermos «meritocracia». Enquanto discutimos se as temos ou não é porque andamos à procura delas e o facto é que andando à procura delas é porque as temos.Temos elites em Portugal.
E como se pode definir essas elites? No plano político, as elites constituem o permanente sonho de qualquer democracia, a procura do melhor regime, do governo dos mais competentes e dos que têm maior mérito. Todos os regimes têm esta discussão. E também o nosso parte da premissa que é preciso ser governado pelos mais competentes e pelos melhores.
Se as elites constituem o «Governo dos melhores» porque razão a política não é uma «escola de virtudes»? -A política, mesmo com os actuais partidos políticos portugueses, ainda assim é uma efectiva escola de virtudes. Ainda hoje, a maior parte das pessoas que militam num partido dá mais à comunidade do que normalmente dela recebe, por outras palavras, quanto mais militantes partidários tivermos mais gente teremos a servir do que a procurar servir-se.
E por que é que não há mais militância partidária? Em primeiro lugar, desde que os alemães deixaram de subsidiar centro de formação de quadros políticos, os nossos partidos políticos deixaram estupidamente de apostar na formação clássica das suas elites como acontece em qualquer democracia europeia, e como aqui sucedeu nos primeiros tempos de implantação deste regime. Deixou de existir o sistema de escola de quadros que marcou a democracia portuguesa na primeira fase e, portanto, os partidos ajudaram ao indiferentismo, tal como tiveram medo de enfrentar outras problemáticas, como a da corrupção, criando-se, a este respeito uma espécie de tabu.
Porquê? Sempre houve e haverá corrupção em todos os regimes. O problema está na não existência de um sistema adequado de combate à corrupção. Quando houve alertas como da "Transparência Internacional", expressas em relatórios internacionais em que se confirma a existência de índices de efectiva corrupção em Portugal —, a nível dos 15 da Europa, Portugal éramos o terceiro país mais corrupto, fizemos como o avestruz ou como os macacos que não querem ouvir, não querem ler e não querem falar sobre a coisa.
Qual é o problema? A nossa democracia, no tempo dos «pais-fundadores» assentava em consensos mínimos, onde os grandes corruptos eram punidos por silenciosos ostracismos e por acordo entre os grandes protagonistas, um pouco à maneira das Igrejas tradicionais, sem que tal punição passasse pelos tribunais ou pelos grandes meios de comunicação social. Isto é, havia uma espécie de acordo interno feito pelos grandes nomes, pelos bons «padrinhos» da democracia. E houve várias punições. Até poderíamos falar de alguns secretários-gerais de partidos que desapareceram, porque os velhos refundadores da democracia os puniram com eficácia.
Pode dizer-se que tememos a corrupção quando ela deu os primeiros sinais? Sobretudo não passámos para uma parte técnica de execução do processo, seguindo as recomendações da "Transparência Internacional" ou da própria OCDE. E quando poderíamos dar esse salto apareceu o problema da ameaça do Estado dos Juízes que, a meu ver, é outro erro, com os magistrados armados em políticos, à maneira da operação italiana da Mãos ditas Limpas. Daí as actuais hesitações. Mas não podemos dizer que haja na classe política uma situação de corrupção generalizada, o que seria extremamente injusto. Não há máfias político-partidárias em Portugal.
Os magistrados estão desenquadrados do tipo de corrupção que se pratica em Portugal? -A ingenuidade ou infantilidade que marca a nossa maneira de ver o problema da corrupção foi bem expressa por um episódio ocorrido no parlamento qauando um senhor Deputado ousou protestar em plena sessão quando o acusaram de fazer parte de um grupo de pressão. Mas qual é o deputado que não faz parte de um grupo de interesse ou de um grupo de pressão? Tecnicamente, até podemos dizer que os grandes partidos portugueses — quer o PS quer o PSD - são federações de grupos de pressão e de grupos de interesse. Não há problema nenhum nisto. O que há é uma falsa higienização da imagem que não deixa que as pessoas vejam com clareza o que está por trás dos grandes conglomerados ideológicos e de interessses, como são os dois principais partidos portugueses.
A corrupção partidária de que se fala hoje é sinónimo desse tabu de que fala? São muitas coisas pequeninas que se acumulam — desde o poder local e o poder nas concelhias, ao poder das distritais e a consequente influência nas nomeações de alguns autarcas e de alguns deputados — e que levaram, por exemplo, a um erro actual na análise política portuguesa quando se pressupõe que os tipos de cima é que são bons e que os autarcas e os políticos das bases é que são corruptos. Este ambiente é pouco saudável e mentiroso. Se dissermos que as autarquias são sinónimo de corrupção estamos a dizer mal da essência do nosso regime que, felizmente, passou pela criação da democracia local e regional. O que tem havido é falta de clareza e uma certa herança do autoritarismo jacobino e da própria inquisição.
Em que concretamente? -Os portugueses não gostam de chamar os bois pelos nomes. Por exemplo, tratamos depreciativamente o chamado cacique, esquecendo-nos que estamos a dar uma denominação de origem castelhana, surgida na viragem do século XIX para o século XX, àquilo que os nossos descritores de costumes políticos até então qualificavam como os "influentes". A verdade é que não há democracia sem caciques. Até porque ser cacique ou influente dá muito que fazer e exige a ratificação das populações que elegem o dito. O DIABO, por exemplo, tem aqui um célebre cacique português, numa coluna de opinião e sabe que a maior parte das críticas que fazem ao dr. Alberto João Jardim são oriundas da pura inveja dos que tentam, mas não conseguem, substitui-lo pela via da eleição.
Porquê? -Porque ele é uma máquina política eficaz. E também nunca vi, relativamente ao caciquismo do dr. Alberto João Jardim, alguém acusá-lo de corrupto. No fundo, elogiam-nos de tecnicamente ser um vencedor, de ser alguém que obtém maiorias absolutas. Mas era bom perguntar a qualquer madeirense o que pensa do fenómeno. Com efeito, mesmo a este nível, dá muito trabalho ser cacique. Quando classificamos pejorativamente como caciques fenómenos destes, estamos a ser quase absurdos. Porque a democracia portuguesa fortalece-se com mais políticos como o dr. Alberto João Jardim. E este ambiente de deixarmos propagar tais qualificações pejorativas leva-nos a não fazer um combate eficaz à corrupção. Quando identificamos corrupto com cacique, com autarcas e com líderes partidários estamos a confundir a árvore com a floresta, a tomar uma restrita parte pelo todo.
E no que respeita ao financiamento partidário?Continua a não haver clareza no sistema do financiamento partidário. Se, actualmente as coisas já estão mais sérias em termos de controlo institucional, pela melhoria das leis que regulam o processo, temos de assinalar que, durante muito tempo, todos os orçamentos dos partidos eram mentirosos. Todos. Surgiram assim manchas que continuam a corroer o sistema de crenças do povo no seu sistema.
E como é possível tornar mais transparente estas questões?Quanto ao sistema global da corrupção, acho que os nossos políticos deviam ter a humildade de ler os documentos da OCDE sobre a matéria e avançar tecnicamente com aquilo que internacionalmente é considerado eficaz no combate à corrupção. Até seria conveniente reflectirmos sobre a razão que levou à extinção da Alta Autoridade contra a Corrupção. Em segundo lugar, continuo a considerar que a questão não é dramática se voltarmos a reconhecer que a melhor forma de combate à corrupção é a burocracia.
Mas isso não é um contra-senso?Não. Porque razão havemos de dizer mal da burocracia e de ceder a certa moda que invadiu o discurso político? Estou a falar da burocracia do weberiano Estado Racional-Normativo, com funcionários de carreira, entendidos como funcionários do Estado e não de um Governo ou de um partido. Porque se tivermos gente que seja educada para lidar e gostar deste modelo legítimo do poder eles não deixarão que surja a compra do poder. O salazarismo, apesar de ser um sistema autoritário com muitos defeitos, neste aspecto, era capaz de ser melhor do que alguns segmentos da actual democracia, como o dr. Mário Soares já o reconheceu. Este prazer do exercício legítimo do poder dado a um funcionário de carreira é uma forma eficaz de combate à corrupção. Em todo o mundo ocidental civilizado e, de acordo com os nossos princípios, são direcções gerais de carreira, funcionários de carreira, burocracia clássicas, racionais-normativas que criam sistemas gerais e abstractos de controlo da corrupção. O divórcio entre eleitores e eleitos é um facto. Os elevados níveis de abstenção assim o têm demonstrado.
Como é possível inverter esta tendência?Eu já me abstive várias vezes. E há muita gente que se abstém porque não está numa posição de repúdio ou de rejeição e escolhe a abstenção como forma de participação política, através de uma espécie de protesto limitado. Esta abstenção consciente não é uma das causas da doença do sistema político. Trata-se de uma abstenção qualitativa que não quer dizer desleixo e até constitui uma espécie de certificação de confiança dada ao sistema. Quando há uma desconfiança global ninguém se abstém. Outra questão é a do indiferentismo face à cidadania. E esse é que é perigoso. Porque pode significar não-cidadania ou não participação na decisão e se este estado de espírito crescer de uma forma desmesurada podemos atingir aquilo que é um sistema de «apartheid» ou de desenvolvimento separado em termos de participação no processo político. O grande drama da abstenção e do sistema político está nos partidos. Os tais partidos que em Portugal ocultam dados quanto aos militantes efectivos. Em termos de hipótese não sei mesmo se, neste momento, ao somar todos os militantes de todos os partidos estes não serão menos do que a soma dos sócios do Benfica, do Porto e do Sporting. Logo, os partidos correm o risco de não reflectirem a opinião pública. Direi, portanto que o problema não está na reforma do sistema político mas sim na reforma dos partidos que começam a ser infuncionais.
Há a necessidade de refundar os partidos políticos em Portugal? Sempre. Qualquer instituição precisa disso. Por exemplo, podemos dizer que Portugal se foi fundado por D. Afonso Henriques tem precisado de ser refundados quase de cem em cem anos, conforme o desafio das novas circunstâncias. Sem essas refundações e reidentificações já não existiriam. Logo, também os partidos têm que se refundar permanentemente.
E os partidos já perceberam isso? Os partidos perceberam. O problema está entre o compreender e o conseguir. Os desafios hoje são diferentes no que respeita à participação e à democracia e nota-se que eles andam à procura dessas respostas. Direi até que o problema está menos nas actuais lideranças e mais na falta de resposta aos actuais problemas das participação política, o que gera formas de descrença.
Somos um País com falta de estímulo? Somos. Somos um País com falta de estímulo e falta de sonho. E esse é o problema principal. Temos falta de sonho. E temos líderes que não sabem vender sonhos. Veja-se, por exemplo, o magnífico Primeiro-Ministro que temos — e digo isto sem ironia — que, em termos de comunicação faz sempre o discurso certo e eficaz, mas que apenas faz o discurso certo e eficaz, produzindo uma espécie de vazio por essa certeza e eficácia
E José Sócrates não estará a «vender» um sonho envenenado aos portugueses? Se calhar é o homem para as actuais circunstâncias. Tal como o Prof. Cavaco Silva pode ser o Presidente indicado para o actual momento político. Mas tudo isto é demasiado higiénico e quase cirúrgico e apenas funciona bem até à próxima crise.
Mas estamos condenados a viver de crise em crise? Governar é administrar crises e a democracia uma institucionalização de conflitos. A crise é o normal anormal e ainda bem que vivemos de crise em crise. É sinal que não estamos mortos, reconhecendo a democracia como uma complexidade que vive entre a convergência e a divergência, para que possa surgir a complexidade crescente da emergência. Eu falava sobretudo de um outro tipo de crise: a da identidade colectiva.
O País vive uma crise de valores e referências? Ainda bem. Quando nós vivemos uma crise de valores é porque andamos à procura deles. Estamos habituados a situações dramáticas e as situações dramáticas não têm lideranças feitas à priori, elas são a resposta a tal repto. Porque os desafios produzem respostas, temo apenas que estar preparados para o imprevisível e para a mudança.
E temos líderes carismáticos em Portugal? Nós democratizemos em demasia o carisma que sempre foi uma resposta de momentos de excepção, com algo de intervenção sobrenatural à mistura...
Se não há carisma como define os actuais líderes partidários? Temos os líderes que merecemos. E os líderes que temos são iguais às exigências que fazemos aos partidos. São meros homens comuns, são o que nós somos. Sobre a matéria apetece insistir e dizer que há, infelizmente, uma ideia demasiado negativa das elites que gerámos. Com efeito, se tivemos, até há pouco tempo, devido aos processos dramáticos da construção da democracia, líderes de alto gabarito, entrámos a seguir na rotina, talvez porque colectivamente ficámos satisfeitos com tal tipo de activismo liderante. Por outras palavras, as culpas são sempre colectivas. Até direi que o problema não está nos principais protagonistas, mas nas segundas figuras que os apoiam, como poderemos notar nas segundas e terceiras filas do parlamento, no sustento.
E esse sustento é que é o problema? Posso notar, se fizer o balanço de alguns desses políticos que foram meus alunos que começam a emergir muitos média 12, quando era normal o recurso aos de média de 18 e 19. Importa voltarmos ao esforço de formação de quadros, misturando mais tecnicidade e mais sonho, mais sentido de militância e de serviço público. Acresce que a maneira como certa comunicação social passou a bisbilhotar os pequenos pormenores da vida pública, muitas pessoas passaram a ter receio de se entregar à comunidade, porque há um certo acaso violentista que pode liquidar um homem de honra no meio disto tudo. Mas não devemos ser muito negativistas. Não somos os piores do mundo e devemos continuar a ser exigentes querendo que a democracia portuguesa vá às meias-finais do campeonato do mundo da participação cívica. Podemos atingir esses níveis, porque já os atingimos no passado. Mas esses estímulos estão a afastar os grandes cérebros…Mesmo as gerações jovens estão a perceber que alguns dos mais altamente qualificados não têm o espaço que lhes devia caber por justiça. Com efeito, o sistema da defesa dos interesses estabelecidos, caduco e ultrapassado, não deixa que muitos, na sua terra, posam ter o lugar que merecem. E não falemos apenas da classe política. Falemos também das universidades. Não digamos que há apenas corrupção nos negócios. Há corrupção de intelectuais através do sistema de avenças, que geraram sistemas limitadores da concorrência nas elites. Porque continuamos a ter um País capitaleiro e de castas. Um País que não se alarma com a pior das crises portuguesas que é a de termos destruído o nosso interior e que assiste, impávido e sereno, à destruição da efectiva Pátria. Se passarmos a ter um deserto a partir de Vila Franca deixaremos de ter Portugal.
Ainda faz sentido a separação clássica entre esquerda e direita quando parece que o Portugal político de hoje parece viver sob a capa do chamado «centrão»? Temos um bloco central político e um bloco central de interesses e os dois grandes partidos são quase duas grandes empresas multinacionais da política que se assumem como meras secções portuguesas dos dois grandes partidos europeus — o PPE e o PSE. E se esta inserção não é má de todo, convinha termos algum cuidado para podermos ter espaço para a política além do bloco central, não considerando meros marginais os que escapam a esse controlo. Até acrescento que vivemos ainda em situações em que não nos libertámos do autoritarismo.
Porquê? Porque o autoritarismo gera sempre uma situação de medo pós-autoritária. Isto é, o subsistema de medo permanece no interior de cada um quando acaba a repressão externa. Daí que eu diga que ainda não nos libertámos totalmente do controlo do poder, recriando subsolos filosóficos e de valores que tenham reflexos nos aparelhos políticos. Tem sido recorrente a crítica a este Governo de que está a praticar uma política de direita.
É desejável uma clarificação ideológica dos dois principais partidos portugueses? É preciso lembrar que nas democracias ocidentais do pós-guerra já não há partidos puramente ideológicos, como ainda são os de extrema-esquerda ou de extrema-direita. Os outros são partidos plurais que têm valores mas que não são moldados à maneira do século XIX. Os partidos do pós-guerra são mais partidos de valores e de militantes. Acresce que os conceitos de direita e de esquerda não são conceitos ideológico. A direita e a esquerda nas democracias reais são meras posições relativas. Veja-se o drama de Freitas do Amaral que quis fundar um partido rigorosamente ao centro e acabou por ficar na extrema-direita das circunstâncias do PREC.
As maiorias absolutas são positivas para a governação? Nem são positivas nem negativas. São a escolha do povo. Isso não me preocupa porque não é o factor aritmético de uma maioria absoluta que governa um País. Mesmo um Governo de maioria absoluta se não for diariamente legitimado pela confiança da comunidade não consegue governar.
Este Governo ainda está em estado de graça? Está. E deve-se à confiança, à qualidade do Primeiro-Ministro e à excelente relação que ele soube ter até agora com o actual Presidente da República. O Primeiro-Ministro conseguiu refazer o estado de graça do Governo depois da eleição do dr. Cavaco Silva e transformou-o num aliado objectivo. Logo, ninguém duvida que neste momento ainda estamos com um Governo com um alto índice de confiança popular. Mas isso não depende só de José Sócrates, depende muito também de factores que lhe são estranhos. Até porque a maior parte das crises que afectaram os Governos portugueses não foram por eles provocadas, vieram de fora. Já não somos totalmente donos de nós mesmos, porque grande parte dos factores de poder já não são puramente nacionais. Assim, não podemos usar os instrumentos monetaristas, até porque somos uma espécie de província do euro, o que tem as suas vantagens e os seus inconvenientes, sobretudo para os governos.
Dezasseis meses depois de este Governo estar em funções como olha para o País? Pessoalmente, em termos de dinheiro no bolso sinto-me relativamente pior. Mas o País não está dramaticamente pior. O que se sente é um grande medo em relação ao futuro, sobretudo a nível das novas gerações. Não podemos esquecer a injustiça que se sente por causa de um sistema de mentira, de feudalidades, de cunhas, de manigâncias que persiste. E isso é que teria de ser liquidado. Devíamos acabar com um País capitaleiro, com meia dúzia de castas e de amigalhaços que põem incompetentes nos lugares onde deviam estar os melhores, pela via da competição pelo mérito e pela igualdade de oportunidades. Era importante, nesse sentido, uma revolução cultural que limpasse o País desta mentalidade concentracionária e redutora.
Continuamos a ser um «País pobre, pequeno e pouco culto» como um dia disse Eça de Queirós, Alexandre O’Neil ou Alexandre Herculano? À maneira da teologia da libertação, poderemos dizer que talvez tenha chegado a hora de repararmos que história não será sempre escrita pelos vencedores. E talvez sejam mais universais os que povos que reconhecem que foram derrotados e que a liberdade efectiva nasce sempre do sofrimento. Neste sentido, os portugueses e os europeus estão mais de acordo com a maioria do mundo e podem ajudar os nossos aliados norte-americanos a perderem um pouco desse orgulho nascido da ilusão da história ser sempre escrita pelos vencedores.
A eleição de Cavaco Silva mudou alguma coisa no sistema político? Consagrou o Bloco Central. E nesse sentido, reforçou as bases do contrato originário do sistema e que era a existência desta dupla aliança entre os dois grandes partidos do Bloco Central. Vamos ver o que dá esta coabitação.
Pode esperar-se uma coabitação pacífica? Todos os sinais que tivemos até agora indicam que a relação será boa. Alias, como já disse, o eng. José Sócrates reforçou o seu estado de graça com a eleição do dr. Cavaco Silva.