a Sobre o tempo que passa: Viva Guerra Junqueiro, mais uma vez! Viva a imaginação contra o neocorporativismo!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.11.06

Viva Guerra Junqueiro, mais uma vez! Viva a imaginação contra o neocorporativismo!



Ontem, depois da telenovela da Maria Laurinda, em vez da habitual escolha do "Jogo Falado", passei, por dever de ofício, para o "Prós e Contras", onde iriam discutir ciência e tecnologia, subsídios e politiqueirices, dado estar esperançado que falassem de universidade. O ministro científico, e sub-secretário de Estado do ministro do orçamento para as Universidades, distinto físico, tendo ao seu lado um catedrático de inteligência artificial, enfrentava o reitor-primaz, ilustre químico, e o reitor da clássica de Lisboa, ilustre catedrático de psicologia, ramo esse que o ministro, ontem, incluiu nas teológicas e metafísicas humanidades, talvez aflito porque a árvore das nosssas especialidades já vai em 1 600 cursos ditos superiores, naquela fragmentação típica da ciência exacta do laxismo que nos desgoverna.

Na plateia da Casa do Artista, estava toda a oficiosa inteligência nacional, com a maioria dos reitores públicos e privados, à excepção do concordatário, bem como vice-reitores, adjuntos de reitores, presidentes de politécnicos, associativos-mores da estudantada, avaliólogos, ornitólogos e e outras espécies. Poucos eram os ex-ministros e secretários de Estado da democracia, mas, muito aposentadamente, notei dois membros do governo do salazarismo e um ilustre deputado da antiga senhora, entre os manda-chuvas do actual "sistema".




Mais uma vez dei razão a Guerra Junqueiro: isto só poderá dar à luz quando arder. Porque não pode continuar como está uma instituição que perdeu a ideia, que não cumpre as regras do processo nem gera manifestações de comunhão entre os seus membros. Sem ideia de obra ou de empresa, resta o arremedo de retórica, a voz forte da propaganda e o decadentismo do rei ir nu, onde todos ralham e ninguém tem razão.

Isto preciso de um baralhar e dar de novo, não pela revolução, mas pela reforma. E, sobretudo, pela reforma cultural das mentalidades, um pouco à maneira do ovo de Colombo. O reitor-primaz não pode concluir o seu discurso defendendo o seu pequeno e excelentíssimamente centro de investigação de química, reclamando que os respectivos bolseiros devem passar a funcionários públicos. O ex-ministro de Salazar não pode continuar a repetir o discurso que faz há cinquenta anos, dizendo que não temos conceito estratégico desde 1974, quando o primeiro discurso que fez com estes termos foi para criticar a revisão constitucional levada a cabo por Marcello Caetano. E paradigma por paradigma, sempre prefiro o Kuhn e os pós-modernos antimodernos que o glosam e comentam.





Os reitores deveriam ser eleitos como noutros países da Europa: por sufrágio universal e não pelos oligarcas. Os professores deveriam professar e investigar e não gerir, deixando essa tarefa a quem está vocacionado para tal. A vertente empresarial, ou de gestão pública das universidades, deveria caber a gestores profissionais e ninguém deveria ir além da sua chinela. A decisão global, das policies, deveria caber a quem lhes paga: ao povo, através dos seus representantes eleitos, eliminando-se o que ontem foi patente. Fomos assaltados pela fragmentação neocorporativa, pelos grupos de pressão e pelos grupos de interesse, das pequeninas pressões e dos restritos interesses que discutem ramos de árvore e não vislumbram a floresta.





O espírito de Saint-Simon e de Auguste Comte, mesmo com vestimentas e cabelóides da "fashion" pós-moderna dominou ontem um debate de um Portugal dos Pequeninos com muita mania das grandezas e alguns mortos-vivos. Discutiram razões finalísticas dos calculismos dos merceeeiros e voluntarismos politiqueiros. Raros repararam na chamada terceira dimensão da alma humana: a imaginação. Com tanto vocabulário dos pró-activos e dos ex-activistas, poucos compreenderam coisas que neste momento estão a ser dinamizadas por novas formas científicas, como a criatividade e outras loisas que os físicos atómicos ainda consideram humanidades ou simples cultura geral. Com esta clique, vamos todos ao fundo da nossa depressão.


É natural que perante esta decadência, chegue um qualquer marquês de Pombal que trate de expulsar os jesuítas, salgar a casa dos Távoras e incendiar a Trafaria. É natural que muitos clamem: volta marquês, que eles já cá estão outra vez. Eles os neo-escolásticos que nunca leram São Tomás de Aquino, os marxistas que perderam a consciência de classe e os cientistas que só fazem discursos de humanidades sem nada investigarem.

A universidade, desde que Platão fundou a Academia e desde que, nos finais do século XIII, inventámos a Europa, o comércio, as autonomias das reinos e a primitiva Bolonha sempre foi uma instituição dita universitas scientiarum, universalidade das ciências, especializada na observação daquela dignidade da pessoa humana onde cada homem é sempre um ser que nunca se repete e onde a descoberta sempre passou por problemas que só podem ser superados por novos problema, através da clássica ars inveniendi. Falar de cima para baixo, nessa comteana révolution d'en haut , a que muitos chamam catedratismo, apenas merece a nossa gargalhada. Aliás, ontem, até foi o funeral de Mário Cesariny de Vasconcelos...


Infelizmente, tenho de reconhecer que o vencedor do debate de ontem foi, mais uma vez, a Fátima Campos Ferreira: pô-los todos em bicha atrás de dois minutos de tempo de antena, com muitos ensaios levados a cabo previamente pelos assessores de comunicação e imagem. Em segundo lugar, ficou o Mariano Gago que, apesar de tudo, ainda se recorda da retórica aprendida na sua militância de extrema-esquerda. Em terceiro lugar, ficou naturalmente, o salazarismo, não por causa da avaliologia, mas antes porque demonstrou como ainda tem dinamismo empresarial e longevidade de gestão de salamaleques entre as privadas. Que o padroeiro das humanidades, São Sigmundo Freud, nos valha! E a Senhora de Fátima os acolha em música celestial! Só sei que nada sei! A imaginação ao poder, já!