a Sobre o tempo que passa: Para que a universidade possa dar à luz, sem arder...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.10.06

Para que a universidade possa dar à luz, sem arder...

Regresso, bem devagar, a este dia a dia de Sócrates com Cavaco e Marques Mendes em pacto, com Ribeiro e Castro em Timor, Louçã em limbo e CGTP na rua. Sinto que regresso ao passado. A reforma universitária, por exemplo, quase parece que acabou de se concretizar com a cerimónia de assinatura de mais um acordo com o MIT, com duas entrevistas televisivas sobre o futuro com o actual quase pretérito reitor primaz e com o passado candidato ao mesmo cargo, os quais nem sequer sabem dizer que o mais grave problema da actualidade se prende com a universidade está na circunstância de nela se ter imiscuído o vício do Portugal dos pequeninos com a mania das grandezas a que chamam autonomia universitária, esse neocorporativismo de fachada que, em nome de uma falsa gestão democrática das escolas nem sequer repara naquilo que uma qualquer avaliação do bom senso chumbaria.

Ninguém faz omoletas sem ovos… Ninguém faz universidades sem aquilo que os gestores qualificam como política de excelência e que os pensadores políticos clássicos inventariaram como a procura do melhor regime. Por outras palavras, sem professores melhores e sem alunos com mais qualidade, não há MIT que nos valha, nem sábio ministro que nos compense.

Se eu pudesse ser ditador da coisa durante vinte e quatro horas, aplicaria o processo um dia sonhado por Guerra Junqueiro para aquilo que era a universidade portuguesa do respectivo tempo: incendiá-la para ver se ela poderia dar à luz uma qualquer luz. Isto é, muito metaforicamente, diria que basta usarmos os meios que temos para outros fins, invertendo o presente sentido das políticas suicidárias que nos encarquilham.

Em primeiro lugar, assumindo a humildade democrática de reconhecermos a coisa universitária como um efectivo bem público, isto é, como um bem pago pelo contribuinte e que deve estar ao serviço da comunidade, do povo, da república, isto é, do futuro de Portugal, independentemente das instituições parcelares serem públicas, privadas ou concordatárias, porque mesmo as que estão ao serviço de Deus ou do lucro, são publicamente sustentadas.

Nas efectivamente públicas, determinaria que se acabasse com a presente fragmentação destruidora, através de concentração de recursos e de efectiva descentralização centralmente controlada, através de duas simples medidas: concursos efectivamente nacionais, libertos da endogamia, e obrigatoriedade de passagem dos professores mais jovens pela periferia, antes de poderem aceder aos locais aparentemente privilegiados das zonas capitaleiras do Porto e de Lisboa.

Julgo que a efectiva mobilidade e a real concorrência pelo mérito são o segredo das universidades anglo-americanas que estão nos primeiros lugares do “ranking” mundial. Adoraria que um terço do corpo docente de cada escola pudesse circular, todos os anos, de universidade em universidade, para que a coisa pudesse abrir as janelas e deixasse entrar ar fresco, mesmo que apanhássemos algumas constipações, as quais depressa se curariam se houvesse confiança pública numa lei de oferta e da procura e na verdadeira meritocracia.

A presente gestão dita democrática é uma paródia de democracia, porque os reitores nem sequer são eleitos pelo sufrágio universal e directo dos corpos de docentes, de funcionários e de estudantes, mas pelas oligarquias de interesses estabelecidas pelo não mérito, onde as fórmulas de gestão acabam por nem sequer serem profissionalizadas.

O país ganharia com a utilização dos métodos usados pelos países onde os resultados são bem melhores que os nossos e que não desperdiçam os recursos públicos pela criação de muitos quintais murados. Não vale a pena inventarmos o que já está inventado, nem descobrirmos o que já está descoberto.

Nas minhas áreas científicas, por exemplo, sou francamente adepto da concentração das mesmas, começando por Lisboa, de maneira a que, em vez da vaidade capitaleira, possamos ter uma só capital, bem mais eficaz e bem mais pequena, onde não deixemos que as vaidades e os golpes clientares dos próprios ministros e ministérios criem, para uso dos delfins, escolinhas próprias e golpadas na distribuição dos subsídios, fora do controlo científico.

Se me deixassem, delineava desde já um plano de emergência de uma política de Estado, à semelhança do que fazem unidades políticas como os Estados Unidos, o Reino Unido ou até a própria França, unificando esforços das universidades e dos ministérios dos estrangeiros e da defesa, procurando garantir que o interesse nacional deixe de andar a pedir subsídios a potências estranhas, ou a entidades financeiras e económicas estranhas ao interesse público, como presentemente acontece, neste Estado que deixou de, nestas matérias, de ter política de Estado e prefere terceiro-mundizar-se.