Conservadores, reaccionários, contra-revolucionários e o 31 de Janeiro de 1891, por um republicano monárquico, sem rei nem república...
Ontem andei por aí em certas bocas mediáticas, desde um comentário que fiz à Lusa, a uma breve entrevista que dei à nova RCP, por sugestão do meu caro irmão-inimigo, José Luís Saldanha Sanches, sobre o que é ser conservador sem medo das mudanças. Nesta última, repeti o que aqui tenho dito e redito: que há uma diferença fundamental entre os situacionistas, os que querem conservar o que está, e os que querem conservar o que deve-ser, estabelecendo a necessária fronteira que separa um conservador de um reaccionário, ou daqueles contra-revolucionários que querem fazer uma revolução em sentido contrário, incluindo a revolução nacional.
Assumindo-me como um liberal à antiga, bem camponês, pouco capitaleiro, e invocando o conservadorismo de Burke, que não era tory, ou de Churchill, que rebentou com o totalitarismo de Hitler, lá invoquei que o homem ocidental é essencialmente do contra (Nós, ocidentais, o que primeiramente somos é anti. Depois é que resolvemos o que havemos de ser, Unamuno) e que o mal do nosso perene situacionismo está num sistema educativo que anda sempre a reboque dos sucessivos politicamente correctos e das consequentes modas que passam de moda, não cultivando o modelo proposto por Dewey para a pesquisa da criatividade pessoal.
Não tive tempo para dizer que subscrevo o grande pedagogo, para quem os valores são tão instáveis como as formas das nuvens...As coisas que os possuem estão expostas a todos os acasos da existência. Não apenas os chamados valores de facto, os bens imediatamente desejados, como os próprios valores normativos, dado que também estes não podem ter pretensão meta-histórica, pois todo o sistema ético é relativo ao meio em que se formou e tornou funcional. Porque todo o meio é um fim e todo o fim é um meio, dado que o fim alcançado é sempre um meio para outros fins.
Porque a utopia normalmente gera o cepticismo e o fanatismo e importa reagir contra a sociedade planeada (planned society) que requer desígnios finais impostos de cima e que, portanto, se baseiam na força, física e psicológica para que nos conformemos a eles. Assim, defende a continuous planning society, que significa libertar a inteligência, mediante a forma mais vasta do intercâmbio comunicativo.
Lamentei que, entre os grandes portugueses, a ditadura dos perguntadores nos leve a ter que escolher entre Salazar, um déspota que foi, e Cunhal, um déspota que não deixámos que fosse, dando a imagem da nossa Avenida da Liberdade que, começando, e bem, nos Restauradores, é encimada pela protecção de um déspota (Pombal).
Disse que o pior dos maus conservadores em Portugal era o Estado-aparelho de poder, onde passámos do conceito de rei absoluto para o conceito de povo-absoluto, não desenvolvendo aquelas sementes de consensualismo que, na pós-revolução, foram assumidas pelo cartismo que a si mesmo se qualificou como "conservador".
Não disse que deveríamos ter desenvolvido as sementes de 1640 ou das revoluções inglesa e norte-americana, que foram revoluções evitadas, porque nos esquecemos sempre que as revoluções são sempre frustradas na pós-revolução, onde o que se pretendeu abolir com a violência jacobina e deitar fora pela janela acaba por entrar pelo sótão dos fantasmas de direita e dos preconceitos de esquerda.
Conservadores do que está não são os portugueses à solta que, quando libertos das teias capitaleiras e castíferas, souberam dar novos mundos ao mundo e geraram esta nossa pátria que é a língua portuguesa de mais de duzentos milhões de homens em abraço armilar.
Bem me apetecia ter citado Popper, na necessidade de combate ao totalitarismo e ao historicismo, defendendo, contra a utopia, o gradualismo reformista, o racionalismo crítico, o individualismo metodológico e aquilo que alguns qualificam como utilitarismo negativo, isto é, que os governos não devem ter como objectivo o aumento da felicidade global, mas antes a redução do sofrimento conhecido.
Porque a mente não é uma tabula rasa, dado sermos memória biológico-cultural, marcados por problemas, isto é, por expectativas desiludidas, esses pedaços de memória que se chocam com outras expectativas e com alguns pedaços de realidade. E o que nós pesquisamos é a solução dos problemas, coisa que só poderemos enfrentar pela imaginação criadora de hipóteses e conjecturas, sendo urgente a criação de ideias novas e boas, onde as hipóteses, como tentativas de solução, devem ser provadas. Mas, por mais confirmações que uma teoria possa obter, ela nunca será certa e quanto mais depressa encontrarmos um erro, mais cedo o poderemos eliminar.
Porque eu posso ser conservador nos valores essenciais, reformista nas metodologias e revolucionário nos objectivos, bem pouco neolib e nada neocon, para que fora de nós não fique um único deus. Os portugueses que, comandados por um "Conselho Conservador", que era maçónico e tudo, enfrentaram os invasores napoleónicos, sempre se souberam reinventar pelas mudanças e, ainda recentemente, passámos, em menos de uma geração, do último império colonial europeu para a plena integração europeia. Tal como fomos precursores na revolução liberal, nas abolições da escravatura e da pena de morte ou na "third wave" da democracia, fugindo à vacina com que Kissinger nos antevia como a repetição de Kerensky.
Por mim, conservador à maneira de Alexandre Herculano, Fernando Pessoa ou Agostinho da Silva, com eles me irmano a Edmund Burke, a José Ortega y Gasset e a Winston Churchill, em termos de concepção do mundo e da vida. Continuo liberal liberdadeiro, porque, como dizia Raul Proença, o verdadeiro liberal não diz isto é verdade, mas sim que sou levado a pensar que nas circunstâncias actuais este ponto de vista é provavelmente o melhor. Continuo a temer, como o conservador Herculano, todos os prólogos ao cesarismo que querem o homem em molécula e repugna-me ver o homem apoucado, quase anulado diante da sociedade.
Sou tão conservador que até quero conservar a nossa tradição liberal e apetecia dizer aqui o que proclamou Domenico Fisichella em Itália: o nosso património è intessuto di quella cultura nazionale che ci fa essere comunque figli di Dante e di Machiavelli, di Rosmini e di Gioberti, di Mazzini e di Corradini, di Croce, di Gentile e anche di Gramsci. Porque, glosando Manuel Alegre, todos somos filhos de monárquicos sem rei e de republicanos sem república. Mas ainda sonhamos.
Apenas advogo, como Feyerabend, um relativismo à maneira de Protágoras, considerando que o libertador de ontem se pode tornar no tirano de amanhã: não há nada na ciência ou em qualquer outra ideologia que as torne intrinsecamente libertadoras. As ideologias podem deteriorar-se e tornar-se religiões dogmáticas (como, por exemplo, o marxismo). Elas começam a deteriorar-se quando conquistam sucesso e se transformam em dogmas no momento em que a oposição é esmagada e o seu triunfo se transforma na sua ruína.
Aliás, hoje, rememorando o 31 de Janeiro de 1891, eu, como monárquico sem rei, quero homenagear Basílio Teles e Sampaio Bruno, esses republicanos que nunca tiveram república, mestres dessa revolução, coisa enorme e nada. Porque durante todo o dia que durou a revolução de 31 de Janeiro, um caldeireiro trabalhou na sua oficina fazendo sem cessar a pancada do seu martelo e, sem por um momento só, levantar os olhos para o céu, para o ar, para a vida: as revoluções que não conseguem fazer parar um martelo que bate numa caldeira de cobre, não conseguem fazer parar forças sociais de muito mais imperiosa função, porque revolução é uma coisa enorme e afinal não é nada (João Chagas).
Ainda temos a consistência das alforrecas: esta crise com efeito veio provar que Portugal pede um tirano; mas a nossa desgraçada pátria nem tiranos tem. Tudo é papas. Temos a consistência das alforrecas... O ministério que, parece, vingará, é uma espécie de tambor que todos vão malhar à vontade e que será esmagado miseravelmente (Joaquim Pedro de Oliveira Martins, em 9 de Fevereiro de 1891).
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