Lasciate ogni speranza voi che entrate! Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno
Madrugada do dia 31 de Janeiro, depois de ler as novas do dia, através da selecção dos meus bookmarks. Reparo que o presidente Hugo Chávez deve receber hoje poderes especiais para governar a Venezuela por decreto, durante um ano e meio, consagrando a ditadura da maioria e transformando a democracia no absolutismo dos césares de multidões, como dizia Herculano. Não deve ter lido, no seu tempo de formação superior, um tal Karl Popper, para quem o problema fundamental da teoria do Estado é o problema da moderação do poder político da arbitrariedade e do abuso do poder através de instituições pelas quais o poder é distribuído e controlado. Por outras palavras: uma democracia não responde apenas à questão do saber-se quem manda, mas, sobretudo, ao como se controla o poder daqueles que mandam.
Também reparo que ninguém dá notícia de outras eleições caseiras numa instituição nacional infra-estatal, dado que, numa federação universitária, onde mais de metade dos votos do colégio eleitoral pertence a uma superpotência, surgiu outra maioria absoluta, mas que, certamente, deve seguir Popper e garantir o direito à indignação dos indivíduos, bem como o respeito das minorias face a decretos habilitantes. Por mim, prefiro o beneditino esforço do quotidiano trabalho de investigação que também diariamente publicito aqui neste espaço de liberdade. Coisa que prometo continuar, para seguir o conselho de mestre Peter Drucker (1909-2005) que, numa resposta dada a um inquérito que Mihaly Csikszentmihalyi, em 1997, enviou 275 personalidades, declarou: I hope you will not think me presumptuous or rude if I say that one of the secrets of productivity (in which I believe whereas I do not believe in creativity) is to have a very big waste paper basket to take care of all invitations such as yours – productivity in my experience consists of not doing anything that helps the work of other people but to spend all one’s time on the work the Good Lord has fitted one to do, and to do well.
Continuo a ler as novas da campanha do referendo. Registo: "Um óvulo é uma vida, um espermatozóide é uma vida, um óvulo fecundado é uma vida, um embrião é uma vida, um feto é uma vida", sublinha o ginecologista Albino Aroso, que votará "sim" no referendo. Recorto também o comentário do jornal o Público: de um lado, há muita gente da catequese, yuppies moldados pela Opus Dei, pessoas sérias e normais; do outro, há feministas e intelectuais, antifascistas e académicos, okupas e ecologistas, pessoas sérias e normais. Ambos lutam pela vitória no referendo. Não estou em nenhum dos lados da manifestação. Voto "sim", no silêncio da revolta (repito o que aqui escrevi em 2 de Março de 2005) .
Prefiro recordar o que José, do Grande Queijo, tinha nos arquivos, numa entrevista do meu querido mestre Jorge Figueiredo Dias, dada em 12 de Janeiro de 1999 ao semanário O Diabo: A crise, tem necessariamente alguma coisa a ver com os agentes da Justiça, mas nem sequer é o essencial, embora todos os agentes devam ter uma atitude diferente. Eu diria que é um problema de concepção das coisas.” Colocado perante o problema da legitimação dos agentes da Justiça, afirmou: “O que náo dá de certeza legitimação é o diploma da Faculdade de Direito ou o da frequência de um curso. Para mim, isso é que está ligado à verdadeira crise da Justiça neste fim de milénio.
Mais proféticas são as intelectuais palavras de Marcola, o líder do PCC : a morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? ... Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, Internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.
Por ter manuseado os anexos do nosso PRACE, mas sem ter almoçado com os consultores das OPAs do Millenium e da SONAE, acrescenta: Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... Ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo.
Parece, contudo, ser conhecedor das bibliografias da Escola Superior de Guerra e de algumas pós-graduações em "intelligence", o magnífico ficcionista proclama: Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atómica nas favelas...
Revela-se, no entanto, contra a máxima daqueles que proclamam que um bom revolucionário não pode ser um bom humanista: Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che entrate!" -Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno. " Porque qualquer semelhança com a realidade não é pura ficção, apenas se confirmando o dito de Armindo Monteiro quando despedido de embaixador de Portugal em Londres por Salazar: a história é o género literário mais próximo da ficção...
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