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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.3.05

Nem cesaropapismo, nem teocracia! Constantino já não manda!



Um padre católico português, de Lisboa, invocando o cânone 915 do Código de Direito Canónico, publicou um anúncio para, "na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas", lhes dar conhecimento público de que "está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes". Nesta categoria incluem-se, de acordo com o padre Nuno Serras Pereira, todos os que usam "diversas pílulas, DIU [dispositivo intrauterino] e pílula do dia seguinte" e os que recorrem a "técnicas de fecundação extra-corpórea, selecção embrionária, criopreservação, experimentação em embriões" e outros métodos de reprodução medicamente assistida. Da mesma forma, votar ou participar em campanhas a favor da legalização do aborto, aceitar ou concordar com a actual lei em vigor e defender a eutanásia também são motivos que impedem o padre de dar a comunhão.

Sobre a matéria apenas nos apetece recordar o que foi dito em Dezembro de 2003 por D. Armindo Lopes Coelho, católico e bispo, mas do Porto, para quem «o aborto não deveria ser penalizado». Mais explicitou: "eu sou contra a penalização, mas defendo como solução única a criação de condições sociais para que as famílias possam criar os seus filhos". Acrescentou também: "nada tendo que opor ao regulamento jurídico vigente, nem ao comportamento dos profissionais de justiça, mas confesso que não gostaria de ser juiz para aplicar tais penalidades». Defendeu até que «as pessoas que cometem aborto não sejam, do ponto de vista social, perseguidas e criminalizadas».

Isto é, sobre os mesmos cânones, há interpretações diversas. Tal como sobre o conceito de direito à vida. Porque, no rigor da postura católica, a própria lei vigente permite "a morte de seres humanos inocentes". Julgo que quem quer ser católico deve obedecer às regras da instituição e defender os respectivos valores e admito que, no foro especial da respectiva autonomia, sejam punidos espiritualmente os que cometem aquilo que consideram infracções. Julgo que, a nível do Estado e da lei penal, não podemos ficar dependentes de tais concepções do mundo e da vida. De outra maneira, não tardará que aqueles que pisam os terrenos da heresia possam ser relaxados para o braço secular. A Deus o que é de Deus, a César o que é César e nem aos agentes de Deus nem aos de César pode pertencer tudo! Ainda não voltámos a Bizâncio...