Nenhuma força espiritual pode ter o monopólio da honra, da inteligência, do caminho e da verdade, até para o transcendente
Leio, numas páginas emitidas por um eclesiástico retirado do activo, e tão paralelamente difundidas por dilectos seguidores do protocolo dos sábios do Sião e das técnicas de Barruel, que José Agostinho de Macedo e a "Besta Esfolada" ainda continuam no activo: porque não sabemos as relações existentes, quem são e quem deixam de ser e as razões porque estão, e de repente aparece mais um aqui ou ali, verificando-se que estão sempre colocados em lugares especiais do poder.
Por outras palavras, para o retirado, não deve haver nenhum, nem aqui nem ali, e, muito menos, num qualquer lugar especial de poder, ao contrário de algumas excepções ministeriais que Salazar tolerou. Talvez porque não devesse existir um Winston Churchill, um D. Pedro IV, um duque de Loulé, um Fontes Pereira de Melo, um Alexandre Herculano, um Egas Moniz, mais de metade dos chefes de governo da monarquia liberal e outros tantos da Primeira República, bastando o deputado José dos Santos Cabral e a primeira lei com que o regime do Estado Novo nos resolveu brindar.
Se calhar o resignatário eclesiástico julga que a liberdade e a democracia apenas surgiram em 1891, graças aos esforços de uma coisa chamada "Syllabus", bem como de séculos de relaxação para o braço secular do santificado ofício. Certa pré-leonina mentalidade que remeteria Trumann para a fogueira, odeia a Revolução Inglesa e a Revolução Norte-Americana e certamente detesta 24 de Agosto de 1820 ou 9 de Setembro de 1836. Isto é, ela não vive cá, isto é, no Portugal liberal, na Europa democrática e no Ocidente das liberdades e da separação do poder civil do poder religioso, há mais de dois séculos. E mente declaradamente em seu obcecado revisionismo histórico, à boa maneira estalinista e demonizante.
Um belo discípulo de tão luminosos princípios, que nem o CADC subscreveu, chegou a declarar numa abrilada, quando era um jovem instrumentalizado por potências estrangeiras, que pretendia esmagar duma vez a pestilenta cáfila ... ou acabar na gloriosa luta em que estamos empenhados, ou cortar pela raiz o mal que nos afronta, acabando de uma vez com a infernal raça ..., antes que ela acabe connosco. Seis anos depois, com cacetes, forças e alçadas, deixou de haver um aqui e outro ali e regressaram as gloriosas páginas das detenções na Relação para os que não foram para o exílio. Os requintes de malvadez nem exluíram o macabro espectáculo de frades loios e oratorianos se regalarem com doces e vinhos finos, repetindo cenas dos autos de fé.
Vale-nos que os posteriores papas são da estirpe de um Leão XIII, de um Pio XI, de um João XXIII, de um Paulo VI ou de um João Paulo II, e que a esmagadora maioria do povo que os segue faz parte dos homens e mulheres de boa vontade, como os meus avós, os meus pais, os meus vizinhos e os meus compatriotas. Estivemos quase todos num certo comício de Aveiro do ano de 1975, a defender a liberdade da Igreja, em nome de José Estevão, o pai do Luís de Magalhães, ministro progressista e combatente da Traulitânia.
Depois, com católicos, andaram também todos a defender o jornal "República", tal como foram a Braga e à Alameda, aguentaram o emissor da Rádio Renascença na Lousã e defenderam o Patriarcado de Lisboa, sempre com a cobertura operacional do Edmundo Pedro e o conselho do Padre Manuel Antunes, quando meninos do Bispo do Porto, como Francisco Sá Carneiro, militavam no partido de Emídio Guerreiro, José Augusto Seabra ou Nuno Rodrigues dos Santos, enquanto outros chegaram a eleger um menino do cardeal para secretário-geral do partido de Raul Rego. E todos se comprometerem a não "fechar a Igreja na sacristia", a não "ignorar os valores cristãos", a não "fazer tábua rasa de uma cultura milenária, negar a história pátria e secar as suas raízes vitais, mudar o sentido das instituições que dão consistência à sociedade, fechar o homem, por via da educação nas escolas e meios de comunicação social, à dimensão do transcendente”.
Não deixemos que certas irritações de propagandismos fundamentalistas, vindas de congreganistas e anticongreganistas, fechem os outros, que eles desconhecem, nos templos, ignorem os valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade e da fraternidade, não façam tábua rasa de culturas mais do que milenares, neguem a história pátria e sequem as suas raízes vitais, mudem o sentido das instituições que dão consistência à sociedade, fechem o homem, por via da educação nas escolas e meios de comunicação social, à dimensão do transcendente. Os santinhos congreganistas da ACTIC talvez sejam maus conselheiros.
Todos têm direito às mesmas universidades, às mesmas rádios e aos mesmos jornais, porque nenhuma força espiritual pode ter o monopólio da honra, da inteligência, do caminho e da verdade, até para o transcendente. Por mim, continuo a querer militar, muito azul e branco, no partido do Conselho Conservador, do Sinédrio, de Manuel Fernandes Tomás, de Passos Manuel, de D. António Alves Martins (bispo de Viseu) e de Alexandre Herculano, mesmo que seja contra os bobos da Corte que preferem a República de Saló... Até julgo que a Carbonária foi refundada em Portugal para que se combatessem esses horrendos cabrais, que eram maçons e tudo...
Espero que o pretexto para todas estas glosas, o recém-ministro Rui Pereira, de quem nunca fui apoiante nem correlegionário, se tem que ser politicamente atacado, que o seja, em pegas de frente. Mas ai de seis milhões de portugueses, se ele dissesse que era do Benfica. E ai dele se também tratasse de denunciar quantos frequentadores da missa de um qualquer Padre Amaro andam por aqui e por ali. Pior ainda se pedisse um ministro resignatário para escrever um artigo no semanário "Mastigoforo " a pedir a denúncia de todos os que foram a Roma à beatificação dos pastorinhos.
A história nunca se deu bem com o preto e branco maniqueísta de certos persas, pintados de propagandistas e vanguardistas, mesmo quando benzidamente missionários. Prefiro a tradição dos homens livres! E ando aqui e ali, em lugares de não poder. Prefiro o poder dos sem poder, Locke, Montesquieu, Burke e o ritmo liberdadeiro de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. Sempre detestei a reacção que pretende mandar para a fogueira três quatros dos conservadores e tradicionalistas europeus que não aceitam o preceito monopolista do resignatário, especialista em nihil obstat. Vale mais, ir além do pré-capto e aceder ao cum-capto do conceito. Compreende-se melhor a realidade.
P.S. Não quis confundir, nem cometi, pela natureza das crenças pessoais, nenhum pecado grave de conspiração. Para ser exacto, todos os que aqui cito, à excepção dos papas, dos padres Manuel Antunes, Barruel e José Agostinho de Macedo, bem como de Francisco Sá Carneiro, violariam o cânone 1374, se fizessem parte de uma certa organização religiosa que não pratica a reciprocidade para quem não tem cânones proibitivos desse tipo (não repeti o nome de Santos Cabral que, além de ter sido o autor da lei que deu roubada sede à Legião latrocínia, até propôs a restauração da pena de morte, quando a campanha situacionista chamava poeta menor a um bebedor de absinto, empregado numa agência de publicidade e tinha a mania do milenarismo...). Apenas quis demonstrar como ainda domina um silabismo, onde muitos não fazem aos outros o que não querem que lhes façam a eles, mesmo quando todos somos um nós. As brasas da pouca boa vontade apenas estão cobertas daquelas cinzas que podem ser afastadas pela levíssima brisa de um artigo de jornal. Que as fogueiras dos autos não se levantem, mais uma vez!
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