a Sobre o tempo que passa: Os tiques e os tombos de memórias governamentais gonçalvistas e salazarentas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.7.07

Os tiques e os tombos de memórias governamentais gonçalvistas e salazarentas


Os tiques e os tombos de memórias governamentais gonçalvistas, onde as correias de transmissão têm ilusão de funcionar noutros campos são o melhor exemplo dos pés de barro de uma presidência europeia, onde os restos do "action man" se confundem com a pátria, para que o locatário de Belém não possa puxar as orelhas a certos desvarios. Nos próximos seis meses, batam, batam levemente, como quem chama e não ouve, a neve não cairá...

Muitas são as algemas e a rede de cunhas e influências que estão a arrastar a democracia para as teias de uma sociedade de Corte de outros "anciens régimes", onde quem ousa falar como homem livre da finança, da partidocracia, do comunismo burocrático, da lealdade hierarquista ou da união dos interesses económicos corre o risco de passar à categoria de maluquinho ou de incompetente.


O situacionismo sempre tratou o dissidente como praticante do pecado da deslealdade, só porque este não tem medo de ser minoria e até pode querer pertencer a uma minoria constituída apenas por ele próprio, dado que não teme fugir do carreirismo subserviente.

Os locatários do poder preferem cultivar memórias das pequenas guerrazinhas de homenzinhos e das golpadas de corredor, nas muitas pequenas tribos da esquerda e da direita que reduzem o país a histórias da adolescência politiqueira, com cenas de promiscuidade depois de uma noitada num bar do Cais do Sodré.


Daí que a política tenha sido reduzida aos pequenos imundos mundos das casas de alterne, intervaladas por retiros espirituais, com sacanices consequentes e heroicidades de acampamento, nessa devassidão de pequenas cenas vanguardistas. A própria universidade deixou de ser uma fábrica de sonhos, com sucessivas cenas de facadas em conselhos e júris, onde domina o carreirismo do salve-se quem puder e a feira das vaidades de muitas vérmicas criaturas, enfarpeladas em água de colónia e fatos finórios de alfaites elitistas.

E assim este pobre país não escapa às estórias dos traseiros da capital e seus arredores, com sucessivas inconfidências de romances de cordel, onde já ninguém respeita a privacidade e onde a própria justiça corre o risco do favoritismo ideológico e do vício mediático.

Quando a secção da obra no bancário já não se entende, é natural que os directores de hospitais passem a comissários políticos, tal como uma recente investigação acabe por revelar eventuais trocas de camisolas de jogadores de futebol por facilidades de registo de estrangeiros do pedibola.
Para não falar dos diplomatas-espiões que continuam a conseguir segredos de Estado a troco de um uísque e de dois croquetes, numa passagem de modelos do "jet set", assim se demonstrando como se rebaixam os fins da política e os preços de saldo da própria compra do poder, nesta fragmentação de politiqueirice partidocrática.

As própria elites são construídas pela elevação dos adjuntos jotas a titulares, quando estes, levando a agenda dos contactos, dos contratos e dos favores, entram na actividade do pós-poder, com consultadoria, avençagem e subsiodiodependência. Porque o importante não é ser ministro, é tê-lo sido, sobretudo se se souber conservar a memória da engenharia das cunhas correspondidas à boa maneira do bloco central.


Todos somos uma pátria furtiva e uma política confidencial que, em ritmo de música celestial, discute o sexo dos anjos da teoria de Hauriou, mesmo quando a careca foi descoberta na véspera, antes de passarem mais umas décadas para virmos a saber quais as trocas, baldrocas e sacadocas que o permitiram elevar-se a supremo coveiro dos cemitérios que estão cheios de insubstituíveis.

Os tiques e os tombos do autoritarismo tanto afectam gonçalvistas, como salazarentos frustrados, só porque o grande chefe não aceitou ser padrinho do respectivo casamento.
Contudo, todos eles querem demitir os que não se enquadram no respectivo conceito de lealdade, todos eles chamam traidores aos dissidentes, todos eles acham que quem não está connosco está contranosco e andam sempre à procura do primeiro que lhes apareça para lhes levar a pasta do elogio, sem perceberem que a verdade vem sempre à tona de água, raspando o verniz do oportunismo predador dos eucaliptos, onde o "spoil system" exige sempre um "boss", com um adequado programa de latrocínio.

Prefiro o Jerónimo de Pirescouxe, o último dos nossos índios... Companheiro Vasco, volta, volta mesmo sem muralha de aço, estás definitivamente perdoado, porque foste coerente!

Etiquetas: , , , , , , , , ,