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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.9.07

Neste regime de agonia, onde o antes de o ser já é o mero não era...


Mendes contra Menezes não são causa, mas sintoma dos tiques de sociedade de corte que vai amarfanhando as canalizações da nossa representação política. Não se trata de uma teia mafiosa, bandocrática nem corruptora, mas antes de uma federação de pequenas quintarolas de micro-autoritarismos e de personalizações de poder que se plenificam em guerrazinhas de homenzinhos que, invocando o nome de Estado em vão, logo se reproduzem como viroses, em vindictas e pequenos clientelismos. E todos se alimentam da energia provinda da luta de invejas e dos espasmos da vindicta, que liquidam a hipótese de mobilização para o bem comum.


Os muitos sinais desta degenerescência são patentes tanto na chamada administração do Estado como até em instituições das antigas sociedades de ordens que o auxiliavam, desde as universidades aos tribunais, chegando ao interior das forças armadas e de outras mais altas instâncias representativas. Todas começam a estar asfixiadas pela fragmentação da ideia institucional e pelo crescendo do neofeudalismo, do sectarismo e do neocorporativismo, os quais vão transformando a democracia e o Estado de Direito em espaços meramente formais, que apenas servem de para o exibicionismo dos poderes fácticos e da hipocrisia.


Esses vermes não percebem que democracia e pátria são valores mobilizadores que fazem com que, pelo prazer da cidadania, o "um mais um" possa ser mais do "dois". E também não percebem que, se nos continuarem a amarfanhar, "um mais um" pode tornar-se em "menos do que zero".


Há crescentes sinais de antropofagia psíquica neste labirinto decadente, ocupado pelos que não reparam como a anedota de Monsieur de la Palisse está reflectida no espelho que relata as nossas circunstâncias, só porque a efectividade da morte anunciada pode ultrapassar o tal quarto de hora e prolongar-se por mais dias, meses ou anos, neste regime de agonia, onde o antes de o ser já é o mero não era.


Porque o presente do indicativo já é realmente pretérito, não havendo sequer condicional que nos permita conjugar o futuro, mesmo que os cadáveres adiados continuem a procriar música celestial e gongóricos exercícios de pestíferos conluios.


Quando os pequenos chefes entram no círculo concêntrico das kafkianas ameaças, apenas querem que as mais valias das criatividade individuais se reduzam a minúsculas peças de uma qualquer abstracção maquinal.