a Sobre o tempo que passa: Querem que os conceitos se transformem em preceitos...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.10.07

Querem que os conceitos se transformem em preceitos...


A manhã vai chegando à cidade. A rua está despertando. Abre o primeiro café. Passam os primeiros apressados. O tempo parece ameno. Vamos ter mais um dia de sol. E lá vou passeando pelos fragmentos do tempo que passa, sobretudo entre sinais que me dão semente de revolta. Por isso, pouco me importam os manifestos da liderança tricéfala do PPD, os barulhos que afectam o meu telemóvel, ou a entrevista que o director da PJ deu a um diário madrileno. Luís Amado já se manifestou contra o referendo.


São assim os noticiários do dia, em dias que não têm notícias. Quase todas as parangonas apenas esperam que as remetam para o armazém dos desperdícios. Porque a hiper-informação gera o vício da super-procura, entre a criação artificial de pretensos factos históricos e o consumismo deste império do efémero que é um império do vazio. Enquanto alguns produtores da informação criam as tais necessidades artificiais, muitos outros preferem ocultar a inside information, desviando as fontes vitais da dita para os rios subterrâneos, cuja rota controlam, ou ocultam, encenando soundbytes, com que se vai deleitando o Estado Espectáculo.


Apenas noto como os donos do europês começam a decretar que os defensores do referendo são uns perigosos anti-europeístas, só porque os engenheiros e arquitectos da super-estrutura institucional do OPNI (objecto político não identificado, na definição de Jacques Delors) querem que as regras processuais do mesmo sejam superiores às manifestações de comunhão dos cidadãos e à própria ideia de Europa como instituição. Por outras palavras: querem tapar com a peneira das cimeiras de chefes de Estado e de governo, precedidas pelas reuniões do PPE e do PSE, o sol das liberdades nacionais e a voz directa dos cidadãos. Querem que os conceitos se transformem em preceitos, nesta super-democracia sem povo que visa remediar as péssimas soluções da defunta convenção.


Desta forma, os grandes eurocratas correm o risco de lançar, para as garras do populismo anti-europeísta e para os manipuladores do descontentamento, segmentos fundamentais do eleitorado. O paradigma bismarckiano vencedor na cimeira do Mar da Palha, intrumentalizando a revolta gaullista do oui par le non, contra a Europa confidencial, gerou esta partidocracia global que corre o risco de levar os intermediários cimeiros das representações nacionais a perderem a legitimidade, embora mantenham a legalidade, nesse palco de abstracções, suceptível de se reduzir a mera teatrocracia de um império oculto.


Qualquer sondagem demonstra que a maioria dos povos europeus gostaria de pôr a funcionar a voz da Europa dos cidadãos, referendando os seus próprios destinos. A maioria dos seus governantes e comissários apenas quer conservar o poder pelo poder e chama a isso pôr a Europa a funcionar segundo o modelo dos Estados em Movimento. Para que os povos não venham a colocar inesperadas areias nas engrenagens, porque assim o murganheira poderia não fluir nas gargantas ao som de um restrito hino da alegria...