O discurso de Menezes, um outro olhar de benigna independência, sobre as linhas de Torres
Começou a era menezista e, nos primeiros passos, ei-la que foge aos parâmetros estabelecidos pelos analistas que se fiam nos fantasmas e nos preconceitos dos "opinion makers" e nos comentadores do situacionismo, principalmente dos que são oriundos do PSD e que estão tradicionalmente comprometidos com antigos e actuais processos internos de luta pelo poder. E tudo passa pelo fantasma conceitual que nos costuma obcecar o raciocínio: o Bloco Central.
Porque se uns ainda reduzem o conceito à velha aliança do PS com o PSD, na fase soarista e pré-cavaquista da nossa democracia, poucos reparam na emergência de um novo bloqueio situacionista, gerado pelo cavaquismo governamental e, depois, pela presente coabitação do cavaquismo presidencial e do socratismo governamental. Porque estas são as duas faces da mesma moeda do situacionismo...
Quando Menezes ousou entrar em dissidência com o discurso presidencial, tanto directamente, no caso das autonomias regionais, como indirectamente, com a proposta de nova constituição, ou de regresso à regionalização do continente, lançando para a incineração a vaca sagrada da simultaneidade, temos apenas de observar que surgiu, finalmente, no espaço partidário, uma directa contestação do programa presidencial. Seria fácil dizer-se que se trata do resultado da pressão de Jardim.
Julgo que a questão é mais funda, tendo a ver com as forças vivas que marcam o nosso corpo autárquico, de que Menezes é um paradigma, como antes o foram Jorge Sampaio e Pedro Santana Lopes, três dos raros políticos cimeiros da nossa praça, com mais experiência política na representação autárquica do que nas tarefas da governação.
Será melhor notarmos que o discurso de Menezes foi marcado por esse experimentalismo da política vivida a nível do poder local. Talvez por isso é que, na primeira grande encenação de macropolítica, ele tentou fugir do populismo, preferindo uma metralhada de micropolítica, para demonstrar a popularista oferta interclassista de tudo a todos.
Por isso, decidiu atacar todas as "policies" socrateiras, não deixando em paz quase nenhum ministério. Por outras palavras, foi tão desconexo quanto a falta de conexão da própria política governamental, anunciando o lançamento do oposicionismo todo o terreno.
Tudo depende do que desenvolver sobre a ideia de Portugal e a ideia de democracia, bem como dos prometidos protagonistas sectoriais que possa mobilizar para o respectivo governo-sombra, onde até pode copiar as habilidades do PS nos "estados gerais" e nas "novas fronteiras", pelo recrutamento de independentes.
Por isso, sorrio ao verificar como quase todos os analistas "on line" do congresso das linhas de Torres morderam o isco do tabu Santana Lopes para líder parlamentar, permitindo a gestação de um artificial facto político que acabou por ser uma excelente manobra de diversão. Por isso, escaparam às previsões algumas nomeações de certos hierarcas de Menezes, como Luís Fontoura, Duarte Lima, Fernando Seara ou Zita Seabra, os quais não podem, de maneira alguma, ser incluídos na quota santanista.
Aliás, algumas destas figuras nem sequer são históricos do velho PPD ou do antigo précavaquismo. Um deles foi secretário-geral do CDS e outro, figura marcante do PCP, com mais clandestinidade do que Jerónimo de Sousa. Por outras palavras, não falta legitimidade de "agit prop" à nova liderança laranja. Como também são indisfarçáveis as ligações da nova equipa a uma história profunda do partido laranja, bem representada pelas anteriores lideranças de Emídio Guerreiro e de Nuno Rodrigues dos Santos, assim se eliminando a pretensa guerra civil que algumas catalinárias tentaram agitar contra o PS.
Eliminam-se, sobretudo, as manobras dos promotores do estúpido confronto entre o humanismo cristão e o humanismo laico. Vale-nos, até, que um bispo da dimensão de D. Manuel Clemente já tinha posto água institucionalmente benta nalgumas fervuras exaltadas de certas arremetidas catolaicas, também assumidas por eclesiásticos resignatários, desses que têm uma incompreensível tendência para agitar os conflitos entre a política e a religião, com prejuízo da democracia.
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