a Sobre o tempo que passa: À procura do ovo de Colombo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.12.07

À procura do ovo de Colombo

Foto picada em Carlos Paes

Costa diz querer pagar o que a Câmara deve, isto é, as facturas de uma dita pesada herança do PSD, mas os representantes deste dizem que as dívidas são também do PS. Já Jardim Gonçalves, com todas as espinhas berardas encravadas no prestígio que mantinha, parece ter que abandonar a barca. Confirmam-se os quase 65 ooo licenciados no desemprego, enquanto o ministro das universidades verifica os resultados eleitorais, onde a maioria dos doutores não homologa a via fundacional que eram a jóia da Coroa da lei reformadora que lançou. Afinal, deu-se uma inequívoca vitória do grupo do Conselho de Reitores e resta à governação resistir pela via do controlo orçamental, fazendo uma pega de cernelha ao processo.


Infelizmente, em termos globais e de comparações europeias, as universidades portuguesas não passam de uma federação de unidades fragmentadas que não respeitam a missão que o povo lhe confiou. Seria melhor que Cristóvão Colombo trouxesse o seu ovo e o conseguisse pôr de pé através de um simples furo. Porque, entre muitos e doutos especialistas em troncos, ramos e folhas de árvore, há raros que façam a avaliação global da floresta.


Prenhes de hiper-informação e metodologismos de super-especialistas, transformámos os vários ramos científicos numa renda de bilros da micro-engenharia dos conceitos, sem tronco, raiz ou cabecinha. E, na barafunda ramalhal, acabam por se reproduzir em epidemia os teólogos e cogumelos do educacionês, bem como os burocratas do sobe e desce regulamentar.





Seria melhor chamarmos o elefante branco pelo próprio nome, neste cumular de reformismos sem estratégia. Antes que o dono do sistema educativo, o senhor povo que o paga, trate de se revoltar contra o misticismo dos politiqueiros disfarçados de tecnocratas e dos tecnocratas disfarçados de politiqueiros. Seria melhor ouvir os professores que professam e os alunos que querem aprender.


Porque o dito cujo, de tão autofagicamente endogâmico, ao cortar as pontes que o ligavam à comunidade que devia servir, perdeu até aquele bom senso que deriva do conhecimento modesto acerca de coisas supremas. Daí que se mostre difícil dar simples cura a esta complexidade, porque, de pretensa profiláctica, está a epidemia cheia.

Por outras palavras, se mantivermos as presentes regras do jogo, pedindo à caixa negra sistémica e sistemista que produza auto-reformas apenas agravaremos as degenerescências corporativas e feudalizantes de tal círculo viciosamente endogâmico.


Peço desculpa pelo mais do mesmo, mas passei a manhã numa reunião senatorial, onde todos reformaram, até com o meu voto, ciências da ergonomia, da cenografia e da engenharia de processos, sempre com muitos especialistas dizendo ter encontros imediatos de primeiro grau com esse além chamado mercado, enquanto outros, com toda a razão, proclamavam que a culpa estava no parlamento, que obrigou a chamar licenciatura a um primeiro ciclo da bolonhesa que deveria chamar-se bacharelato. Para não falar dos muitos cursos que mudaram de nome sem mudarem de sexo.


E pronto, até eu votei a favor. Sou activo membro de uma conservatória de registos nominativos. Depois de, por treze vezes, o presidente da assembleia interpelar: quem vota contra? Quem se abstém? Logo, proposta aprovada por unanimidade. Infelizmente, não perguntou o quem bota abaixo, porque, por mim, o faria se aparecesse um mestrado em cabeças de apito, ou em apitos dourados.


Aliás, hoje, nem fiz discurso. Apenas tive breve intervenção, quando, ao aprovarmos o regulamento de um doutoramento europeu, sugeri o mesmo modelo para um doutoramento lusófono, para evitarmos a falta de regras sobre doutoramentos conjuntos com o Brasil ou com Angola. Até porque, nesta idade das redes, podermos integrar a rede lusófona na rede europeia seria óptimo e sempre poderia dar que fazer, em termos úteis, à associação das universidades de língua portuguesa.