a Sobre o tempo que passa: Regresso da neve de Istambul...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.1.08

Regresso da neve de Istambul...


Regresso, da neve de Istambul, e volto aquilo que já foi a Turquia do Ocidente. E logo me pedem que comente, não a cigarrilha do presidente da ASAE, mas os discursos de Sócrates e Cavaco. E digo que têm algo a ver com a história do velho, do rapaz e do burro, onde começa a ser incómoda a distância que vai do aparelho de poder à comunidade, num regime onde o Estado são eles e o burro começa a ser o Zé Povinho.
Se Sócrates exagerou na postura de D. Quixote, Cavaco preferiu assumir-se como Sancho Pança, continuando os dois a mesma caminhada desta coabitação de um rotativismo de Bloco Central, bem expressa pela caricatura da crise do BCP e da Caixa Geral de Depósitos, onde o Banco de Portugal pensou que estava no Palácio de Belém e não via, ouvia nem lia, à semelhança da fábula oriental dos macacos cegos, surdos e mudos.

Porque estamos, sobretudo, mais pobres de espírito, dado que cresce aquilo que outrora se qualificou como a ditadura da incompetência de um Estado de Partidos feito de partidos de Estado, enredados naquelas crepusculares disputas de um bloco central de interesses que, afinal, não passa de um conjunto de bonzos, ao mesmo tempo que a esquerda e direita sistémicas entraram no bailado dos canhotos e dos endireitas, como aconteceu com a I República, na véspera do caso Alves dos Reis.

A partidocracia, o governo, o parlamento e o presidente que temos são aquilo que merecemos. Porque vemos, ouvimos e lemos e preferimos ignorar. Com efeito, o mais dramático que vivemos está na decadência da cidadania e na consequente crise, não da democracia ou da nação, mas do Estado a que chegámos, dado que, em nome das lentilhas de um país de remediados, voltou aquele atavismo absolutista, para o qual o Estado são eles, os donos dos aparelhos de poder, e não nós todos, a comunidade, a república, enquanto coisa pública que exige o bem comum e não precisa de pequenos Césares de multidões, mesmo que sejam ricos homens de espectacular sucesso.