a Sobre o tempo que passa: Importa um "new deal", para evitar que os coveiros do sistema passem a coveiros do regime

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.5.08

Importa um "new deal", para evitar que os coveiros do sistema passem a coveiros do regime


Quase todos os que se apresentam como candidatos ao protagonismo estadual, partidário ou das pequenas quintarolas burocráticas, que permitem o micro-autoritarismo da mesa do orçamento ou da engenharia dos subsídios, utilizam a invocação, directa ou suliminar, de serem homens de esquerda. Uns, pelo oportunismo do politicamente correcto, para melhor se inserirem no situacionismo. Outros, como literatura de justificação para todos dos desmandos, esquecendo-se que Estaline e Pol Pot também eram homens ainda mais à esquerda, quando não invocavam as novas tecnologias da guilhotina positivista.


Feliz, ou infelizmente, a direita começa a ficar reduzida ao espaço do berro e do "soundbyte" populista, com alguma dela à espera que o PSD a repesque para a dignidade do estadão e da consequente vantagem negocista. Entretanto, os mais destacados marechais do CDS, face às duas emergências de Cavaco, o tal que os secou, parece que optaram pelo PS, que assim os reduziu à veneranda postura de senadores colaboracionistas, a nível do ministerialismo ou da prebenda elogiosa. Mais do que isso: o PSD, quando não se assume em birra populista ou caciqueira, fica-se pela memória do estadualismo paternalista a que chama neokeynesianismo, mas que não passa de mais uma versão do salazarismo democrático, vestido de respeitabilidade tecnocrática, dita prestígio.


É por estas e por outras que Pedro Passos Coelho se arrisca a ter um resultado tão razoável que até o pode levar à São Caetano à Lapa. É, pelo menos, esse o voto de Domingos Duarte Lima, Paulo Teixeira Pinto e de tantos outros, de mal com o outro Pedro e com Dona Manela. Ainda não assumimos que importava, antes de chegar a Grande Depressão, um "new deal" à esquerda e à direita, um baralhar e dar de novo, para que estes coveiros do sistema não sejam coveiros da morte lenta em que o regime se enreda.


Como observava Fernando Pessoa em 1928, também António de Oliveira, estabeleceu imediatamente o seu prestígio quando tomou posse, através de um discurso que é tão diferente dos discursos políticos habituais que o país aderiu a ele de imediato. E o público é incompetente para apreciar uma coisa tão profundamente técnica como as suas reformas financeiras. Ao fim e ao cabo, o prestígio é sempre não-técnico.