a Sobre o tempo que passa: Contra o tédio, continuarei a ler e a viver Camões, Pessoa e Agostinho.

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.12.08

Contra o tédio, continuarei a ler e a viver Camões, Pessoa e Agostinho.



Uma a uma, as raízes da alegria, o entusiasmo que sustentava o pensamento, vão definhando e apetece guardar-me, resguardar-me, resistir, mesmo que sitiado. Porque todo o céu que sonhámos e que ainda há pouco brilhava, de sol e de azul, se desfez em borrasca que agrediu quem, diante dele, se apresentava de mãos livres e corpo sem armadura. Apenas trazia a pena de um sonho já rescrito, muitos papéis de procura, e um pedaço de mar.




Confesso meu atraso, a minha não cedência perante o altar dos chamados estudos pós-coloniais, os tais que consideram que todos os outros que os não seguem, em cartilha, não passam de miserandos neocoloniais que devem imediatamente aceder ao patíbulo de todas as novas inquisições, nestas garras lobísticas de uma canalha doirada, assente numa formidável rede de financiamento e colocação de amigalhaços.




Tédio. Apenas tédio. Porque o subchefe, fingindo que não discursa, apenas tem a caneta afiada para subsidiar os enviados do grande chefe. Porque todos os outros, os da metapolítica, do patriotismo, do nacionalismo, não passam de míseros serviçais do complexo militar-industrial, de busheiros que hão-de ser obameiros, só porque não leram as sagradas escrituras dos gurus de serviço, com que devemos terminar todos os discursos de homenagem aos poderes estabelecidos.




E assim compreendo como, em Timor, se vai seguindo a rede unidimensionalizadora deste gnosticismo, onde se ridicularizam todos os que não usam o pronto-a-vestir do neodogmatismo pretensamente antidogmático, os tais vermes antinacionais que algumas nações subsidiam, para que só elas sejam nação, e que, pouco a pouco, ocuparam algumas das cidadelas fundamentais desta globalização apátrida que nos amargura. Por mim, continuarei a ler e a viver Camões, Pessoa e Agostinho.




Hoje, estou farto e apenas me consola o que leio em Combustões: De súbito, a grande banda da marinha executa o hino monárquico e a multidão que até aí estivera em silêncio transforma-se num coro em que cada um tenta sobrepor-se à voz do parceiro. Uma liturgia impressionante. As pessoas cantam e os olhos brilham de orgulho. Cada um acende a sua vela e a noite faz-se dia. Nunca assisti a tal coisa na minha vida. Um alto dignitário escolhido para o efeito lê uma longa declaração em louvor do Rei, posto que pede aos presentes que reiterem um juramento de fidelidade ao Rei. É o velho juramento que vem desde os tempos do Rei Trailok (século XV) e que obriga cada um a purificar o coração, oferecendo-o ao trono através de um comovente movimento de entrega da vida ao interesse colectivo consubstanciado na figura do Rei...