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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.12.08

Quando descer sobre a luz que me faz falta, num ir além do poente, noite dentro, até sempre


Perguntam-me, lá de longe, lá dos dezoito mil quilómetros que ficam nos antípodas, mas sempre aqui tão perto, perguntam-me, se voltei a ter planos para o depois daquilo a que chamam voltar. Prosaicamente, digo que não sei. Porque haverá reuniões e fichas, despedidas do senhor embaixador, recepção do senhor secretário de estado, muitos empregados limpando o pó, cortando a relva, podando as árvores, muitos chefes de empregados preenchendo requestações, cruzinhas no excel, no word, no pdf, no fdp, ou lá no que é, só porque o que tem de ser tem muita força. 

Confesso que não vim aqui procurar a pátria que já não há, a revolução que sempre foi perdida, quando apenas devia ter sido evitada, o falso homem do leme ou uma qualquer nau de fantasia que, envolta no mistério do exótico, seja capaz de me dar porto seguro ou refúgio face a ameaça dos piratas. Por mim, porque navegar é preciso, continuo sem contabilizar o ir não sei para onde, dos que apenas se submetem para o sobreviver e se esquecem que importa lutar, para que continuemos a viver. 

Parece que não conseguirei um conveniente heterónimo me dê refúgio e talvez  chegue mesmo à conclusão que tenho definitivamente de mudar para outra ilha qualquer, onde saiba mesmo que não haverá lugar, tanto do onde como do porquê.  Mas sempre era capaz de dizer que quando descer sobre a luz que me faz falta, quando estiver no regressar, poderei, talvez, continuar a viver assim, sem agenda, para poder ter sempre um intervalo que me dê tempo e me dê sítio. De um estar que seja ser e de um ser que não dependa do ter. Num aqui e agora,  que seja sempre acaso procurado, sem horários, sem relatórios, sem reuniões, avaliações, manual de procedimentos, num ir além do poente, até sempre, ao nascer de novo, de um dia mais dia que me  dê força, para que o amanhã seja o que Deus quer e o que homem sonha, para que volte a dizer pedra e a dizer praia, a praia de partida que o sonho todos os dias desenha no mapa da procura de quem continua a procurar.