Ainda me pedem, muito de vez em quando, mesmo aqui em Timor, que comente aspectos da vida politiqueira desses descendentes de bonzos, canhotos e endireitas, onde predominam os gerontes embalsamados, os reformados, os aposentados, e todas as correias de transmissão de ocultas manobras de pretensas teorias da conspiração. Com efeito, ninguém que conheça as pessoas e os meandros da luta pelo poder acredita que Manuel Alegre possa ser o chefe da ala esquerda do PS, ou que esteja disponível para a criação de um novo partido. Ele é um pedaço vivo de uma história e faz parte de uma outra dimensão, a da metapolítica, aquela que acredita, como Aristóteles, que a poesia é mais verdadeira do que que a história. Ele, pelo menos, tem consciência que uma esquerda que perca o lume da profecia não mais poderá ter sonho, passando a ser medida pelo ritmo utilitário dos homens de sucesso. Por outras palavras, Alegre compreende que Sócrates pode estar para a esquerda como Cavaco esteve para a direita, assumindo a lógica desertificadora do eucalipto, onde tem razão quem vence, chame-se Dias Loureiro ou Oliveira e Costa.
Também disse não acreditar que Sócrates queira calar a ala esquerda do PS. Só manda, ou quer mandar calar, quem tem alguma coisa para dizer e o socratismo é a demonstração exacta das teses de McLuhan sobre importar mais o continente do que o conteúdo, assim se confirmando como, nesta política de "imagem, sondagem e sacanagem", o que aparece é o que é... E o PS a que eles chegaram é definitivamente um partido "catch all", "attrappe tout" ou "pigliatuti", onde todos não são demais para a grande união nacional situacionista, que vai do que representa o ministro Silva Pereira a Sá Fernandes, e assenta na aliança dos grandes escritórios de advogados com os contratadores de "outsourcing", onde não foi anedota o livro de propaganda do "Menino d'oiro" ter sido apresentado pos Manuel Dias Loureiro. Mesmo um António José Seguro, que eventualmente representa 30% a 40% do aparelho PS, sabe que Sócrates nunca será afrontado por aquela lógica do Bloco Central que vai de vitória em vitória até a uma derrota final, vestida de tabu cavaquense ou de pantanosa disputa autárquica à António Guterres.
É por esta e por muitas outras que Sócrates ainda pode continuar a ser chefe do governo depois das próximas eleições. O povo costuma ter sempre o governo que merece e nem sempre tem razão quem vence. Ora, Sócrates tem um discurso extremamente eficaz e uma máquina de unidimensional porpaganda que até conseguiu que Manuela Ferreira Leite parecesse aquilo que ela nunca foi. Logo, se este governo Valter Lemos fosse a esquerda, eu que sempre fui de direita, teria de me qualificar como um tipo de extrema-esquerda...
Isto não passa de neocabralismo, com umas cerejas neofontistas, e, se outras fossem as circunstâncias já há muito que estaríamos em processo de criação de uma adequada Patuleia. Por mim, alinharei sempre pela Santa Liberdade, mas sem pistola na mão, preferindo a revolta urneira, dado que reconheço a necessidade democrática daquele golpe de Estado sem efusão de sangue, como Karl Popper chamava às eleições do pluralismo democrático. Contudo, como me desinteressei dos ilusionismos de certos sucedâneos da metapolítica, porque muitos dos impulsionadores e gestores de causas caíram na tentação da procura do patrocínio junto dos mecenas que agora estão na pildra ou na falência, resta-me navegar, porque navegar é preciso e sobreviver com tansos não vale a pena. A ministra rodriguinha, que acabou de rebentar com os últimos restos de prestígio da ideia comunitária de professor, em nome de uma qualquer ficha avaliativa, tão estúpida como as da bolonhesa tecnocrática, ainda não percebeu só é vencido aquele que entrou no jogo do dizer em comunicado, nota de imprensa ou direito de resposta que já venceu o opositor, o dissidente ou quem lhe fez o gesto do Zé Povinho. Por mim, apenas continuo a ser daqueles que ficaram desempregados desde que alguns disseram que chegaram à Índia, não percebendo que os sonhadores activos, que são os verdadeiros navegantes, nunca andaram à procura da Índia que vem nos mapas.
PS: Peço desculpa pelo tédio que aqui manifesto. Mas ontem, ao fim da tarde de Dili, tive que honrosamente participar numa recepção que um senhor Secretário de Estado ofereceu à colónia docente lusitana, sita em Timor. O senhor foi simpatiquíssimo, sempre rodeado de adidos e longe dessa manifestação de massa das elites, mas não houve diálogo nenhum, nem estava programado que houvesse. Aliás, como a maioria esmagadora dos docentes era do ensino pré-universitário, quase todos se lamentavam por não terem sido grevistas lá no reino. Tenho a impressão que ele discursou, porque ouvi tudo, porque concordei com tudo, mas não me lembro agora de nada, de tão diplomático que teve de ser. Logo, decidi andar sempre pelas margens da manif e nunca me aproximei do palanque, nem sequer tendo a honra de lhe estender um cumprimento. Continuo a preferir a verdadeira metapolítica, que, afinal, é a verdade da política, e estou mais interessado em rever trabalhos sobre "topasses" e "larantuqueiros"...
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