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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.11.08

Os fumos do artigo já foram afastados pela chuva, e pela brisa de um novo dia que nasceu, com as acácias verdes e vermelhas


A contabilidade dos dias, na dimensão visível da sua aparência, começa a diluir-se na rotina. Xanana Gusmão está em Lisboa. Cravinho vai em breve aterrar em Timor. A embaixada está em pleno. A CPLP em funcionamento. As missões estão todas  cumpridas e já quase todos os cumpridores do regulamento que vem na Gorda podem pedir a reforma, a aposentação, a posta, o refrigério do subsídio vitalício. Os fumos do artigo de Pedro Rosa Mendes já foram afastados pela chuva, e pela brisa de um novo dia que nasceu e as acácias continuam verdes e vermelhas, como dizia o Alberto Osório de Castro. Os tipos que escrevem com tal intensidade têm de amar esta terra e esta gente e o respectivo alerta, limpo dos preconceitos e dos fantasmas, pode ter servido para unir os irmãos desavindos da partidocracia, e para que o presidente não ande por aí a mostrar a fralda da camisa, para gáudio dos sofás da intriga, no antigo hotel Makota.

A tutela neocolonial da chamada tecnocracia multicultural, as muitas e desvairadas gentes de todas as sete partidas que, vindas de inúmeros Estados falhados, se assumem como super-especialistas no "state building", são coisas que muitos apenas julgam só porque nunca as puderam chegar  a experimentar. Esta nebulosa apátrida de certo funcionalismo supra-estatal, que vai lançando seus acampamentos em todos os sítios ditos da desgraça, pode, desenraizadamente, ajudar a destruir as energias libertadoras da política. Há resmas de teorias de justificação para o estado a que chegámos, resmas e redes de amiguismos que desempenharam funções no BPN, que meteram cunhas para patrocínios do BPN e em todos os outros BPNs, com outro nome e outros partidos matriciais, filhos dos mesmo bloco, mas que são iguais em amiguismos e em cunhas, porque, nas pátrias dos poderios sem autoridade, por onde nos arrastamos, quem não aparece não existe. 

A democracia não é uma qualquer engenharia social que seja abstractamente cega. Eu, pelo menos, não consigo admitir que ex-políticos, adeptos e praticantes dos planeamentismos centralistas, possam ser recrutados agora para a construção de capitalismos a retalho, com retórica de desenvolvimento sustentável, apenas porque assentam, como chefes de contínuos, numa legião de recrutados estagiários, saidíssimos das faculdades do fabrico em série, ou das avaliações de sargentos, das tais que nos põem em fila indiana no dia da inspecção, à procura do funcionário a promover por mérito excepcional, medida pela ficha da classificação de serviço. Há, por estas e muitas outras bandas, alguns imensos e pretensos gurus que não são peritos de qualquer coisa, em qualquer lugar com tempo, mas que sabem exercitar a arte do relatório cinzento, desses "papers" que transformam as crises políticas, económicas e sociais numa espécie de modo de vida de alguns desempregados estruturais, com os seus "caterings", os seus "briefings", os seus "compounds" ambulantes, coisas exógenas e exóticas, com que se vai poluindo a paisagem das coisas humanas e sociais.

Nesse jardim zoológico que vai invocando a superioridade quase celestial da metapolítica, não sei se vamos gastando dinheirinhos que bem poderiam servir para dar segurança, matar a fome e lutar contra a doença de todos. Uma organização ou uma cooperação internacionais, quando se tornam infuncionais, podem transfigurar-se em entidades feitas de poder pelo poder, mas já perderam o sentido dos gestos.