Há pessoas, partidos e pessoas que, por um lado, se deviam dar ao respeito e que, por outro, se deveriam fazer respeitar, começando pelo respeito de si mesmas, não confundindo pretéritos, perfeitos, ou imperfeitos, com presentes, futuros e condicionais. Acontece que, neste ambiente de pantanais e algum paludismo, os partidos, os ministros, e mais seitas e serviçais que imitam os partidos e os ministros, tanto lá em cima, nos altos órgãos do Estado, como mais abaixo, nos mais pequeninos, que se pensam réplicas das lutas pelo poder, confundindo os tempos dos verbos, começaram a abusar dos chamados senadores da república que, embora não tenham de ir para o museu, talvez devessem conservar a autoridade, isto é, não serem instrumento do poder, como bolas de trapos que todos vão chutando em brincadeiras de rua, para os putos as atirarem às ventas da equipa adversária.
Começo por falar das testemunhas dos banqueiros do regime. Não porque os actuais senadores não devam prestar depoimento semelhante ao que António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira processualizaram abonatoriamente face a Diogo Pacheco de Amorim, esse ex-deputado do Centro Católico, envolvido por Alves dos Reis no seu banco das notas de quinhentinhos. Já reparei que Mário Soares, no recente congresso da UGT, quando falou de roubalheiras de banqueiros, estava apenas a dizer que falou nos norte-americanos. A malta é que interpretou mal. Como agora o continuámos a interpretar mal, quando ele teve aquela vergonhosa qualificação de Durão Barroso, não disfarçando a inveja. Porque o Zé Manel fica para sempre como a mais europeísta das figuras da nossa história.
Agora é o pingue-pongue em torno do sucessor de Nascimento Rodrigues. Com Sócrates, apertado, em pleno parlamento, a dizer que tinha uma figura acima de suspeita, para, dois dias depois, o ex-ministro da reforma do Estadão, vir a telejornal dizer que a bomba era Jorge Miranda, esperando certamente o comentário dominical do seu colega Marcelo, ou a intervenção de segunda-feira, do seu ex-assistente Vitorino, com o ministro Silva Pereira a sorrir, depois da instrumentalização do nome que fizeram do ex-ministro Freitas, na linha do que também fizeram com outros senadores e professores, sempre disponíveis para o jogo, quando todos atingiram o nível de cardeais sem a coragem de Nascimento Rodrigues.
Portugal talvez seja mais do que este país que cabe na estreiteza do PBX da Faculdade de Direito de Lisboa, onde sempre gostei muito mais do Senhor Costa e da Dona Lurdes, que esses, pelo menos, parecem continuar fiéis à militância que sempre tiveram, nunca mudando de campo conforme as ilusões do prestígio em tempos de decadência moral. Nestes tempos de escrutínio público, nenhum dos senadores está livre que os jornais ponham a boca no trombone e nomeiem a rede de nomeações familiares e de avenças que um qualquer investigador poderá fazer, lançando na lama nomes da nossa história democrática. Era conveniente conservá-los livres deste processo analítico.
Por outras palavras, desta feita, considero que a Manuela Ferreira Leite precisa de continuar a ter coragem e não pode transformar o lugar de Provedor em mais uma negociata de chico esperto. Nascimento Rodrigues, que, no pretérito, foi mais funcionário público de honra e militante sindicalista, não precisou do carimbo de doutor em direito, ou de catedrático do mesmo ramo, para inspirar, na comunidade, a confiança do homem livre. Viveu como pensava e não precisou de ceder, porque quis continuar a viver assim, sem pensar como depois iria viver.
Tenho a minha viva opinião sobre a conduta do Professor Doutor Jorge Miranda nestes últimos anos. É exactamente igual à que tinha nos anos posteriores a 1976, quando era membro da Assembleia de Representantes da Faculdade de Direito de Lisboa. Porque, então, quando as coisas aqueciam, face às manobras do MRPP, muitos como eu preferiam que o presidente da assembleia, Jorge Miranda, tivesse que se ausentar dos trabalhos, para que essas funções fossem assumidas pelo assistente Miguel Galvão Teles, então indicado pelo PS. É que este tinha uma noção mais realista e combativa do processo de instauração do pluralismo, sem dependência das fórmulas positivistas da pretensa licitude. Punha a justiça acima do direito, o direito acima da lei e a lei acima do regulamento. Julgo que, ainda hoje, o próprio PSD era capaz de escolher um homem livre do PS para que não continuássemos a brincar aos senadores dos pretéritos perfeitos ou imperfeitos.
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