Anteontem, fui ao RCP, às conversas com Alexandre Honrado, comentar a actualidade. O pretexto tinha a ver com os nove meses de desentendimento do PS com o PSD, para a escolha de um novo Provedor de Justiça, obrigando Nascimento Rodrigues a ter que esperar à força o sucessor. Porque os partidos do centrão abusam do monopólio legal da representação dos cidadãos e usam e abusam da crescente partidocratização de alguns grandes cargos para-judiciais, como também transparece na nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional ou das campanhas e listas que degeneram o Supremo Tribunal de Justiça.
Porque nem tudo o que é lícito é honesto, sobretudo para quem já viveu num sistema autoritário e ditatorial que era um Estado de Legalidade, só porque os direitos, liberdades e garantias constitucionais estavam também constitucionalmente em regime de suspensão, nesse provisório definitivo estabelecido desde os primeiros vagidos do regime quarentão. Ora, é a mesma gente, com os mesmos hábitos e idêntico verniz que recobriu este estadão dito democrata, onde há flagrante desrespeito pelos conselhos do provedor. Este estadão a que chegámos onde domina a vergonha do bate primeiro e protesta depois na justiça lenta que te dará resposta quando o meu partido já não estiver no governo. Portanto, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas e o batedor pode processar-te domesticamente, tirar-te a cidadania e, pelo meio, fazer discursos e vender acções de formação a que até podem dar o nome de licenciatura e mestrado.
Daí que interesse desprestigiar a figura do magistrado. Inventando ainda mais provedores, dos jornais, das rádios, das televisões e agora até o do crédito à habitação, neste regime que vai processando, com trombetas da propaganda, variados bodes expiatórios, para que o processador continue a ter o monopólio da palavra e, por vezes, da própria compra do poder, vinda de cima para baixo, através da criação de uma fila de cortesãos sempre à espera da chegada de sua excelência ministerial, assim exibido no circo da sociedade de corte que nos vai enchendo de náusea.
O Provedor de Justiça, especialmente honrado pela coragem cívica de Nascimento Rodrigues, é a forma do Estadão ser corrigido pela régua de chumbo de que falava Aristóteles, porque as réguas de ferro da licitude não consegue fazer justiça no caso concreto, adaptando-se aos objectos que não são cubos de pedra. O provedor, especialmente nas pedras polidas da criatividade humana, tem que continuar a ser um homem livre, um cidadão exemplar, com um curriculum de defensor de causas. Não tem que ser um desses catedráticos avençados pelo governamentalismo ou uma das bailarinas da incoerência que passa da esquerda para a direita e da esquerda para a direita conforme os ventos do pensamento único das modas que passam de moda e, sobretudo, pelo sentido das torneiras dos subsídios e das avenças.
Nascimento Rodrigues tinha um perfil de militante partidário e sindicalista, mas como inconformista e até dissidente do seu próprio partido, foi um paradigma que iluminou a resistência dos cidadãos contra o poder e os poderes. Tal como José Magalhães Godinho e alguns outros seus antecessores, à excepção de um que, no antigo regime, dava cobertura a processos disciplinares que demitiam catedráticos. Nascimento Rodrigues, apesar de activista da construção deste regime, era o exacto contrário da partidocracia devorista e nunca cedeu à comadres e compadres do país legal, em governos do PSD e do PS. Sabia o que era a moral, a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo e enquanto cidadão, num sonhado Estado de Direito, onde no princípio era o Homem e não o Estado, onde o Estado está acima do cidadão, mas onde o Homem está acima do Estado. Por mim, quero um Provedor que continue esta resistência chamada liberdade e desobediência às degenerescências do estadão.
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