Não quero que me digam que continuo um anarcodireitista, porque isso era com o Salvador Dali, que bem dizia ser "anarquista", "pero" monárquico, numa complexidade a que continuo fiel. Não tenho suficiente narcisismo e, muito menos, uma centelha desse génio. Apenas uso um pouco do ácido da análise, para, comprometidamente, observar estas circunstâncias de tempo e de lugar e já nem posso dizer tudo o que sei, por causa dos muitos segredos de justiça processual que me sitiam.
Por outras palavras, se se torna impossível descrever todos os vermes com que dia a dia me obrigam a conviver, fico-me pelo categorial, concluindo que Portugal regressou ao seu normal anormal da permanecente crise, destes pequeninos em megalomania, isto é, com a mania das grandezas, mas sem viverem a grandeza da loucura que balouça entre o tudo e o seu nada. Nesta incerta decadência, onde paga o justo pelo pecador, muitos concebem a violência simbólica da palavra como a única saída para a crispação.
Porque murros, caneladas e bofetada é num futebol de árbitros corruptos, de presidentes apitados, de jogadores à espera de contrato melhor no adversário, onde a discussão pública tudo reduz ao facciosismo de leões, dragões e águias, com horas e horas de perlengas futebolíticas nos horários nobres das televisões e a que eu religiosamente assito, para descomprimir. Porque mandar um adversário para certo sítio que é a medida de todas as coisas, na nossa linguagem de revolta, tornou-se monopólio desses privilegiados deputadíssimos, onde nada fica registado em acta que apenas guarda os insultos bokassas. Porque o povo assim lhes segue o exemplo, sendo absorvido por essa clandestinidade que leva quase todos a terem que não viver como efectivamente pensam.
Eis a desvergonhada infuncionalidade em que jazemos, onde é cada vez maior a distância que vai da pregação das normas ao cumprimento quotidiano das mesmas, em termos de vivências. Onde o direito já não consegue conformar as condutas, porque a justiça deixou de ser a necessária força subversiva da realidade. A justiça já não é a estrela do norte da política e da economia, como todos os clássicos que pensaram a república proclamaram.
Pior do que isso: deixou de haver moral, porque o pensamento único do homem de sucesso, do tem razão quem vence, comprimiu a autonomia individual. Não apenas dos direitos, mas também dos deveres, daquele conjunto que nos permite alcançar a tal ciência dos actos dos homens como indivíduos, como sagrados indivisos, onde a máscara da pessoa tem de assentar no microcosmos que tem de seguir o paradigma da procura da perfeição. E se não há autonomias individuais, não podem existir autonomias dos grupos que as mesmas geram e torna-se impossível o pluralismo e magna autonomia societária da república. Logo, as regras são sempre heterónomas, passando-se à alienação do manda quem pode, obedece quem deve, onde o mais odioso acaba por ser o estatismo, desde o governamentalista ao do micro-autoritraismo sub-estatal, dependente da mesa do orçamento.
Porque o Estado-aparelho-de-poder usurpou a república, enquanto Estado-Comunidade, são eles que mandam, eles, os herdeiros do absolutismo, essse Estado estrangeiro que nos ocupou e nos vai colonizando. Que venha o presidente de Angola, nossa antiga colónia, observar como esta antiga sede de império voltou a ser colonizada. Observe, senhor Zedu, como alguns mandantes de ontem se comportam hoje como serviçais desse supremo valor chamado dinheiro. Observe e goze por dentro a sua vingança, sem necessidade de cumprimento dos ditames de Frantz Fanon, que esses apenas degolam guineenses narcotraficados. Mas guarde silêncio, porque este é de ouro. Porque cá já nem as pratas nos garantem o endividamento, como no tempo de Álvaro de Castro...
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