a Sobre o tempo que passa: O barulho das ondas, o fulgor do sol, o porquê da dor

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.4.09

O barulho das ondas, o fulgor do sol, o porquê da dor

Foi há trinta e um anos que te escrevi estas palavras:

Dia a dia, nove luas, dia a dia, meu amor ganhando corpo. Quantas vezes minhas mãos te deram vida: a rudeza dos troncos, o sabor da terra, a própria alegria da cidade em dia de primavera. No jardim à beira da nossa casa, as árvores já reverdeceram e, lá ao longe, por entre os prédios, as águas do Tejo ganharam a cor do céu. Já nos dão sentido de viagem, restos do mar imenso que te hei-de ensinar.

Sobretudo aquele dia de sol, entre o mar e a serra, quando o verde dos pinhais nos fez assobiar. Nesse dia me recordo que, no infinito, prometi que te havia de ensinar esta sede de mar que é Portugal dentro de mim. Que a pátria não será nasceres aqui por acaso, mas o segredo que à liberdade dá sentido.

Apenas tenho medo de não saber dizer-te que além do mundo pode ser Deus. Prefiro ensinar-te os sinais que o pressentem: o barulho das ondas, o fulgor do sol, o porquê da dor. Em minhas mãos hás-de sentir o mistério de existir que sempre te há-de marcar. E depois quando cresceres por ti próprio tudo vais reaprender. Que sejas sobretudo um navegante! E se fores navegante com sentido de distância haverá sempre ilhas por descobrir no oceano da existência.