a Sobre o tempo que passa: Imagem do sobressalto cívico provocado pelo discurso de Cavaco

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.4.09

Imagem do sobressalto cívico provocado pelo discurso de Cavaco


Acrescento, ao credo na boca, mil e duzentas palavras que me foram pedidas pelo DN:

No princípio pode voltar a estar o verbo


Durante três sucessivos dias, o Presidente Cavaco, abandonando a gestão dos silêncios  e as meias palavras, decidiu, talvez, lançar o mote para a habitual intervenção na sessão do 25 de Abril. Com efeito, o nosso regime político não é apenas dotado de um poder executivo e outro legislativo, directamente resultantes da eleição parlamentar, dado que o presidente também emana do sufrágio universal  e mantém a plenitude do velho poder moderador, que Benjamin Constant delineou e D. Pedro IV consagrou. Isto é, o nosso presidente conserva a clássica função política que, na república romana, se designava por “auctoritas”, algo que é qualitativamente superior à mera “potestas”, que reservámos para o governo e o parlamento.


Logo, sendo ele a síntese da república, tem o mandato global de, perante circunstâncias extraordinárias, poder accionar em directo a confiança pública, através da palavra posta em discurso, naquilo a que os gregos chamavam “logos”, e que tem, em português, o nome de “razão”, especialmente quando entrou em derrapagem a racionalidade normativa e se poluiu a racionalidade valorativa. 


Porque, parecendo inevitável o impasse da mera aritmética de maiorias, resta recorrer à geometria da república, para que esta mantenha a harmonia. Tal como Guterres, Cavaco sabe que nem as maiorias absolutas livram os poderes, executivo e legislativo, do pântano e do tabu.  Portanto, já está condenado a falar direito e em directo. Porque, ter autoridade é ser autor, especialmente no dia da fundação do regime.

PS: A imagem inicial desapareceu da base em que a recolhi. Mostrava Sampaio, Sócrates e Vital na plateia, de mão na boca... Quem a tiver retida, pode enviar-ma?