a Sobre o tempo que passa: Das papas e bolos com que se enganam os tolos desta gerontocracia que não se olha ao espelho

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.5.09

Das papas e bolos com que se enganam os tolos desta gerontocracia que não se olha ao espelho




Neste regime de papas maizena, onde os ilustres ministros expressam opinião sobre o perfil biográfico dos líderes da oposição, a falta de autenticidade é do exacto tamanho da densidade curricular do ilustríssimo primeiro-ministro, que certamente foi adubado com papas nestum de figos. Custa-me ver Basílio, que foi secretário-geral de um partido e ministro da república bem antes de quem não terá comido maizena, ser arremessado para este pinhal da azambuja. Como me custou ver antigas glórias do regime serem lançadas para os encómios de uma sessão do sindicato dos elogios mútuos, numa audição parlamentar que interrompeu abruptamente a de Dias Loureiro. Como teria de ser politicamente incorrecto, sem necessidade de outras papas e babas sobre os sinónimos de regressão infantil, teria de dizer que a minha colega Maria da Glória, com mais de meio século de vida, merecia ser bem melhor avaliada, porque ela já é uma senadora da república. Este regime de gerontocracia corre o risco de não querer olhar-se ao espelho, para confirmar que tem quase o mesmo tempo de vida que o governo de António de Oliveira Salazar, começado em 1932. Está velho, precisa de tratamento e não chegam as papas e os bolos com que se enganam os tolos.




Porque, como me contava um ministro do antigo regime, um dia, Salazar terá recusado a nomeação de um arcebispo para um certo cargo honorífico, invocando a circunstância de ele já ter feito setenta anos. O proponente argumentou que ele estava perfeitamente lúcido. Salazar concordou, mas logo disse que o perigo estaria em ele ficar sem saber quando faria setenta anos outra vez, o que seria terrível para o eclesiástico, porque ninguém teria a coragem de dizer ao mesmo que ele estava apenas no condicional e no futuro imperfeito, que ele já não era o que tinha sido em tempo de pretérito. Por ironia do destino, tanto Salazar como o então jovem ministro esqueceram-se do argumento. Um teve de cair numa cadeira ou numa banheira, o outro acabou por ser Talleyrand do regime seguinte e com esperança de o voltar a ser no próximo, isto é, sem saber conjugar o presente. Por isso, vale mais recordar que o Bloco de Esquerda nunca teve direito a uma refeição em casa de Bill Clinton ou do rei de Espanha, como é obrigatório no currículo de um qualquer conselheiro de Estado com papas de revista "jet set" e colarinho branco.