a Sobre o tempo que passa: Portugal em contraciclo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.6.09

Portugal em contraciclo


É muito complicado traduzir para o politiquês lusitano, sobretudo entre os que proclamaram o Europa é nossa, o modelo político europeu. Não há ninguém que aqui represente a terceira e a quarta das famílias políticas do Parlamento Europeu, isto é, os Liberais e os Verdes. Nem sequer a direita radical anti-europeia existe. Os três prováveis deputados do Bloco de Esquerda e os dois da CDU podem não conseguir ser a Primavera dos setecentos e trinta e seis. Apenas se confirma que mandamos 10 para o PPE (mais três, apesar de termos passado de 24 para 22) e 7 para o PSE. Primeiro, porque o PSD, que quis ser da Internacional Socialista e passou pelo grupo Liberal e Reformista, acabou, através de Francisco Lucas Pires, no PPE. Segundo, porque o CDS, que começou no PPE, com Diogo Freitas do Amaral, foi, depois, expulso, mas acabou por regressar à família.


E quando se dá um reforço dos não socialistas, com subida de conservadores e democratas-cristãos e manutenção dos liberais, eis que Portugal se transforma num dos países mais à esquerda da Europa. Pelo menos, três ex-cunhalistas (Vital, Miguel Portas e Ilda) marcaram o ritmo e a cruzada de Mário Soares contra Barroso acabou em ridículo, um pouco como as fragmentadas empresas das sondagens domésticas. Porque o Bloco Central tem 15 deputados. Porque a direita são 10. Porque a Esquerda em sentido amplo são 12, mas a esquerda mesmo esquerda apenas chegam aos 5. A procissão ainda vai no adro. 0 Por esta e por outras, enviei para o DN uma pequena reflexão que agora transcrevo:


Os resultados eleitorais são meras consequências do paralelograma das forças vivas que nos pressionam, onde o estadão da partidocracia continua a desertificar a velha democracia da sociedade civil. Mas quem sair da endogamia partidocrática desta jangada de pedra e ousar compreender o todo da gestão de dependências e de interdependências, pode concluir que os principais factores de poder que a presente governação sem governo tem de gerir já não são maioritariamente domésticos.


Entrámos definitivamente em contraciclo, não tanto por questões ideológicas, mas antes porque nos resignámos face ao instinto de crescimento do poder deste estado a que chegámos, a que a não-direita chama esquerda, e a que a não-esquerda justifica com o keynesianismo de timbre salazarento, mas que, afinal, não passa de um um mero piloto automático que não nos deixa mudar de rota.


Esta é a pesada herança de um capitalismo clientar e fidalgote que nos veio do mercantilismo, gerando-se esta economia privada que tem medo do risco e do mercado, enquanto prossegue a desinstitucionalização dos grandes corpos da democracia consociativa, que o discurso ministerialista chama de corporações. Falhando a imaginação e coragem da pilotagem do futuro, não é possível uma estratégia de patriotismo científico, capaz de nos fazer flexível estrada boiante, como eram as naus de outrora, as que fizeram de Portugal o porto de uma Europa que quis abraçar o mundo.