a Sobre o tempo que passa: Quem me dera, com a arma do voto, o urgente golpe de Estado sem efusão de sangue!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.6.09

Quem me dera, com a arma do voto, o urgente golpe de Estado sem efusão de sangue!



Os dados estão lançados, as primeiras urnas já abriram, as últimas sondagens acabam de ser publicadas em Portugal. Na Holanda, o grande vencedor não é o equivalente ao Bloco de Esquerda, mas uma entidade bem mais à direita do que o nosso CDS, já domesticado pela inclusão na mesma multinacional partidocrática onde o PSD domina. Na Holanda, o PVV (Partido para a Liberdade do Povo Holandês) obteve 15,3 por cento dos votos, ficando apenas a 4,3 pontos do Partido Democrata-Cristão (PDA), do primeiro-ministro Jab Balkenende, enquanto os trabalhistas, também no poder, perderam quase dez pontos, ficando com 13,9 por cento dos votos. Contudo, o grande vencedor foi a abstenção, na ordem dos 40 por cento, ligeiramente inferior à registada na votação de 2004. E a mesma onda de desencanto parece atingir o Reino Unido, onde já são cinco os ministros que renunciam...





Basta consultarmos uma brochura editada em português pela Inclusion Europe, apoiada pela própria Comissão Europeia, para compreendermos o nível deste acto eleitoral. Aí se explica que "as pessoas que falam em nome de um país chamam-se Eurodeputados ou Membros do Parlamento Europeu" e que "se a lei Europeia diz uma coisa e a lei do seu País diz outra, é a lei Europeia que deve ser respeitada". Porque, "depois das secções de voto fecharem, contam-se os votos. O partido político que recebe mais votos pode eleger mais eurodeputados. Podemos ver os resultados na televisão ou nos jornais. Depois das eleições, não se esqueça dos seus eurodeputados. Os deputados do partido que ganhou podem ajudar-nos, mesmo que o nosso voto tenha sido noutro partido. Estes deputados podem ajudar-nos e defender os nossos interesses. Devemos informá-los sobre o que gostávamos que mudasse nas leis Europeias" (sic).




Por cá, todos os principais intervenientes acabam de ter mais uma estrondosa vitória, quase todos com magníficos passeios de rua na cidade do Porto, com bombos e gaitas, bandeirinhas e passeata em ombros, dado que uma multidão de cinquenta ou cem pessoas, filmada numa rua estreita parece um gigantesco comício, quase idêntico aos depositantes do BPP que encostaram ao diálogo o ministro das finanças, numa porta de hotel. O PS parece que vai ter tantos deputados para o PSE quanto os que concorrem sob a chapa do PPE (PSD mais CDS e eventualmente com o MEP de Roberto Carneiro), enquanto os comunistas e a esquerda revolucionária atingem o espaço dos vinte por cento, graças a esse governo de esquerda com mentalidade dita de direita, ou teimosia, à co-incineração de Souselas, não valendo de nada a aposta de Sócrates no ex-comunista Vital Moreira que não pescou nenhuma espécie de apoio nos eleitorados cunhalistas, estalinistas e trotskistas.


Apenas se confirmou que entrámos em contraciclo face aos parceiros culturalmente mais próximos da União Europeia, nesta hipocrisia de termos dirigentes políticos mais esquerda do que os respectivos militantes e militantes mais à esquerda do que os respectivos votantes e simpatizantes, deixando o fiel da balança aos reformados, aposentados e subsidiodependentes que preferem o distributivismo da caixa estal, alimentada a impostos, do que o estímulo ao mérito e ao sentido de risco de políticos com uma ideia de obra. A esta esquerda estatizante e ultraconservadora do aparelho de poder a que chegámos, resta o bloqueio mental da ditadura do "statu quo", obrigando os timoneiros à condução de uma jangada de pedra que nos vai conduzir a uma sociedade de comemorações e funerais das pretensas glórias de um passado imperfeito, onde a técnica da nacionalização dos prejuízos nos vai endividar pelos séculos e séculos.


A falta de vergonha dos políticos instalados levará à co-incineração em fogo lento de todos os actores secundários e principais, que todas as semanas esperam mais uma fuga de informação de um inquérito ou de um processo disciplinar, passível de ser cantarolado por Manuela Moura Guedes ou de receber uma parangona nos jornais. E não há político do PS, do PSD ou do CDS que não rezem para que o tempo passe e se atinja a inimputabilidade da prescrição. Isto é, somos cada vez mais um regime de usucapião, confirmando a previsão de Proudhon, segundo a qual toda a nossa propriedade é um roubo, aqui desenvolvido de cima para baixo, segundo o modelo do devorismo, onde, de facto, não há moralidade nem comem todos.


Basta notar como anteontem teve que sair uma nota oficiosa justificativa do actual Presidente da República e como ontem apareceu mais uma nota para a imprensa do anterior ocupante de Belém, esta sobre o processo de atribuição de casas da autarquia lisbonense, onde, por falta de prescrição se detectaram vinte e dois alegados crimes de abuso de poder, por parte de quem logo declarou que tem a "consciência tranquila". Infelizmente, ao contrário da democracia britânica, aqui não há a vergonha que levou em Londres cinco ministros à passagem ao estado de homens comuns.



Basta uma arruada em Santa Catarina, com bombos, cabeçudos e espantalhos, chegados em carros públicos de alta cilindrada, porque também são públicos, indirectamente, os que estão afectos aos partidos de financiamento público, para que a ilusão de festa oculte a fome, a revolta, o azedume a e indiferença, quando valia a pena usarmos a arma do voto para um adequado golpe de Estado sem efusão de sangue, como tão bem definiu a democracia Karl Raimund Popper. Como disse Teixeira dos Santos para os depositantes de um banco em desespero e com contas congeladas: "vocês são vítimas de quem vos enganou e é a esses que têm de pedir responsabilidades". Por mim, gostaria que nas próximas assembleias gerais de accionaista da República Portuguesa SARL, despedíssemos, sem indemnização, os gestores dos nossos depósitos de confiança pública.