Quem acompanha a política britânica, para além das crónicas de J. C. Espada e dos ataques de fúria de Mário Soares contra Blair e Brown, é capaz de compreender esta imagem. Os direitos dos "Gurkhas" que foram objecto de uma intensa campanha cívica, liderada pela actriz Joanna Lumley, acabaram de ser reconhecidos pelo governo, assim se confirmando como ainda há democracias que se sustentam em decisões morais e patrióticas. Eles elegeram a rainha através do heroísmo dos combates e o povo, representado no parlamento confirmou como está dependente da opinião pública e da democracia da sociedade civil. Porque, sem soldados não há democracia e sem estes símbolos sagrados do contrato social original também não há Europa.
Tinha razão Jean Monnet quando nos avisava quanto à imprescindibilidade do Reino Unido para o lançamento do projecto europeu, temendo as derivas jacobinas da racionalidade finalística que, perdida em tecnocracias de princípios abstractos, nos pode conduzir ao Terror, esmagando a Vendeia, o País Basco, a Catalunha ou o próprio Portugal. Basta lembrar como alguns dos nossos principais actores deste espectáculo eleitoralesco não conseguem captar o essencial daquela racionalidade axiológica que está na base das doze estrelas desta comunidade política supra-estatal e supra-nacional que alguns reduzem a simples análise do custo-benefício de uma qualquer engenharia de fundos estruturais e planos tecnológicos.
Europeu e português, assumo a Europa como uma nação de nações e não como um verme apátrida que, ao unidimensionalizar-nos como súbditos de uma hierarquia das potências, incluindo a das multinacionais partidárias, nos faz esquecer o essencial da racionalidade axiológica, sem a qual não pode haver política. Assumo a Europa como democracia de muitas democracias, historicamente enraizadas, e não como hermenêutica de um qualquer texto constitucional não referendado nem amado que paire sobre as nossas cabeças como papagaio de papel.
Por isso, declaro que sem Gurkhas não há Europa. E recordo como certas facetas da mais recente história portuguesa nos quiseram fazer esquecer os nossos Gurkhas, como , por exemplo, foram os comandos africanos. Porque não há política quando falta o respeito sagrado pela palavra dada, quando se transforma a confiança pública num jogo de péssima retórica propagandística.
A Europa não pode ter um parlamento para onde mandamos os reservistas em regime de prémio de fim carreira, com longas listas de figuras de um museu de cêra. Não há Europa com contabilidades de meros postos de vencimento e com este ambiente de cedência à empregomania que está a corromper as eleições. Um cabeça de lista acusa o outro encabeçador de nacionalista e reaccionário, quando este proclamou ser o único federalista europeu depois de Mário Soares, e os dois invocam demagogicamente os medos espanhóis, talvez para não nos recordarmos que, na última final da taça do rei, o hino do Estado madrileno foi assobiado insultuosamente pela maioria do estádio, em grande coligação de nacionalismos de Bilbau a Barcelona
O PS e o PSD, essas secções domésticas da oligarquia multinacional partidária que esmaga a Europa, apenas estão a jogar para o empate, a fim de não descerem de divisão. E apenas nos pedem um cheque em branco, escondendo e enganando os reais programas europeus a que estão submetidos. Gostava mais que me justificassem para que havemos de votar em quem não nos considerou com capacidade para a aprovação do tratado global europeu, através de um referendo. Gostava mais que me explicassem porque faltaram à palavra dada, não permitindo a voz popular nessas matérias essenciais para o nosso futuro. E não invoquem o nome de Cavaco em vão...
Por mim, queria discutir coisas essenciais, como o proteccionismo renascido que nos pode levar a sucessivas falências, porque não é com um qualquer jaime silva ou com um qualquer pinho que resolveremos questões como a quimonda, a auto-europa ou o atentado às leis da concorrências por um governo a comprar bibelots de propaganda. Gostaria também de discutir o exército europeu, a adesão da Turquia, a luta contra a desertificação ou a regionalização, bem como a nossa liderança no processo de relações da Europa com a África ou com o Brasil, para além do Manuel José ter ido do Cairo para os Palancas e de Scolari ter sido seleccionador de Portugal.
Infelizmente, não há Joanna Lumley, mas apenas uma triste conspiração de avós e netos, com longas teorias de justificação, incluindo as que nos presidencializam. Preferia passar da nação à supernacção futura, transformando a Europa numa república maior, a caminho da urgente república universal, onde o federalismo maior também implica federalizar-nos por dentro, porque qualquer contrato federal com jacobinos centralistas é mero regresso ao Marquês de Pombal e a Robespierre, onde se transformam as nações conquistadas nos fantoches das "républiques soeurs".
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