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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.12.09

Entre redes banco-burocráticas e intelectuários, com esquecidas cunhas e dourados poleiros


Claro que vi o vice Vara. Um belo retrato sociológico deste modelo de redes banco-burocráticas e uma notável defesa da reedição do antigo guia das ruas de Lisboa, para quem não tem GPS. Foi na televisão pública, no seguimento de um modelo já praticado com Manuel Dias Loureiro. Juridicamente falando, apenas recordo que "quod non est in actis, non est in mundo"...


Por outras palavras, o direito não é a vida. São relações jurídicas, isto é, uma minoria das relações sociais, as que são legislativamente seleccionadas e coactivamente protegidas pelo monopólio da violência legítima a que se chama Estado. Logo, nem tudo o que é lícito é honesto e a licitude nem sequer corresponde ao tal mínimo ético, dessa ilusão de deixarmos para os detentores do poder a definição de códigos de conduta que devem caber apenas às autonomias individuais e grupais e são insusceptíveis de captura pelo decretino, pelo que vêm do vértice para a planície dos súbditos. Moral e direito não são círculos concêntricos, apenas coincidem nalguns segmentos. Aqui e agora foram totalmente confundidos pela teledemocracia. E às vezes até continuam a ser medidos pelos preconceitos do racismo social e castífero que nos encarquilha.


Quando os jornais, no século XIX, substituíram o púlpito, dizia-se que conquistar o poder era conquistar a palavra. Desde Kennedy que entrámos em mediacracia mais videopoderosa. Política já não é apenas o que parece, mas a percepção do homem comum sobre o que aparece e que pode não ser o que é previamente ensaiado pelas agências de comunicação. E quando falha a confiança no aparelhismo público, as comunidades tendem a regressar aos esquemas da vingança privada, nesse jogo perigoso dos tribunais da opinião pública, onde, pela simples imagem, o justo pode pagar pelo pecador e acabar como "inimigo público".


Aqui e agora, o situacionismo dos vários estados a que chegámos, sobretudo o dos micro-autoritarismos sub-estatais, já não teme os opositores rotativistas, os tais que podem tornar-se convivas da alternância na gamela. Apenas odeia os dissidentes que não se transformam na oposição que lhes convém e que não se confundem com os tradicionais inimigos da democracia.


O importante, em Portugal, não é ser ministro, é tê-lo sido. Sobretudo, quando ainda se tem colegas no poleiro. Ou na impunidade. Sempre podem ser um importante elemento de consultadoria e pressão, por causa dos meandros da mesa do orçamento. E, entre um grupo empresarial de obras públicas e um estabelecimento de ensino, pouca é a diferença de pecado, na privatização já não clandestina do que deveria ser público.


Claro que a nota de revolta, neste último trecho, tem óbvio destinatário que a não vai ler que, de tanto andar pelas alturas, nem deve saber o que são blogues, nem aulas, nem alunos, nem beneditina investigação, livre das cunhas da subsidiologia. Dentro de momentos, quando todos conhecerem o evento, muitos terão de aceitar que não exagerei, quando denunciei categorialmente os chamados "intelectuários", os tais híbridos de intelectuais e serventuários, conforme a terminologia de Gilberto Freyre.