a Sobre o tempo que passa: Vai buscar a pátria onde ela estiver!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.6.10

Vai buscar a pátria onde ela estiver!


Morreu o António Manuel Couto Viana. O "professor" como a malta do teatro de Coimbra lhe chamava. Houve quem o quisesse riscar da literatura, por razões não literárias. Houve quem o quisesse abstrair da poesia, do teatro, da mestria de cultura. Foi dos primeiros que leram os meus escritos, na sua biblioteca da Rua Marquês de Tomar. Como se eu pudesse publicar um livro sem ter o "imprimatur" deste mestre...

Couto Viana e o seu amigo David Mourão-Ferreira começaram a poetar no pós-guerra quando "imperavam então dois grupos opostos nas ideologias, mas semelhantes nos processos e no desamor à poesia autêntica", para citar o segundo. De um lado, o "social de superfície", do outro, "o teocêntrico igualmente cortical"...

- E ao ler-me há-de sorrir,
E há-de cantar assim,
Aquele que vier de mim.

É o elogio que Couto Viana fazia de um tio-bisavô, seu contrário ideológico, marcado por Victor Hugo e Guerra Junqueiro, "troveiro da Razão e da Democracia", que julgava "viver no século da luz". Também nós, no eterno retorno, ouvimos teus hinos, "tão cheios de energia e pensamentos finos".

Vai buscar a pátria
Onde ela estiver!
...

A palavra imunda
Tem aqui lugar:
Perversão da rosa,
Poluição do ar.
Ali tudo habita
No seu próprio chão.
A raiz só prende
Pelo coração
Aqueles que enlaçam
Pecado e perdão.

Vai buscar a pátria
De bandeiras vivas,
Busca os gestos livres,
Foge às mãos cativas,
Abandona as sombras
E as fontes esquivas.

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