Sobre o tempo que passa
Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
6.7.10
O conceito de progresso é o que mais reaccionário tem a modernidade e a pós-modernidade, porque o moderno é como a moda e só é moda aquilo que passa de moda...
Crise é quando não sabemos para onde caminhar, recusando olhar para dentro... Estamos fartos do crescer quantitativo, dito para cima segundo o método quantitativo, onde só existe aquilo que consegue medir-se pela ciência da medição vigente, a que não vê um boi à frente do palácio, mas que, por preconceito ideológico, herdeiro do despotismo iluminado, decreta ter o monopólio do verdadeiramente científico...
Quando uma pretensa "Realpolitik", como a que é ensinada nas escolas de espiões, nos visualiza de forma mercantilista, esgotando os poderes políticos em uma ou duas companhias majestáticas, ficamos reduzido a exiguidade de quem dá combate num campo aberto face a forças adversas de maiores poderes...prefiro lutar sem estadão...
Um reino como o dos Países Baixos, que até tem multinacionais, reparte os centros de decisão nacionais com outras potência. Sabe submeter-se para sobreviver, porque quer lutar para continuar a viver...
Uma república como a Confederação Helvética não padece de capitaleirismo nem de ministerialismo, pelo que não invoca exemplos de "golden share" da França, da Espanha ou da Alemanha. E não me parece que padeça de exiguidade...
O mal do estadão em Portugal continua a ser o da mania das grandezas, dito megalomania...E, na prática, a teoria continua a ser outra... Dessas boas intenções, continua o inferno cheio...
Os defensores do nacional-capitalismo querem também continuar a nacionalizar os lucros e privatizar os prejuízos. Isto é, querem um capitalismo socialista de Estado, desde que a espada do poder por eles seja manipulada, sem que haja balança.
Os nacionais-capitalistas preferem o neofeudalismo patrimonialista ao racional-normativo e nem sequer sabem do que é axiológico. Quando lhes falam de honra puxam logo do livro de cheques...Enquanto não houver uma crítica liberal a estes capitaleiros salazarentos nem sequer poderá haver verdadeiros socialistas...
Essas comparações históricas retrospectivas, nomeadamente com um episódio da guerra dos Cem Anos, onde se inseriu Aljubarrota, não reparam, muitas vezes, como os portugueses que estiveram ao lado do rei de Castela contra o Mestre, serviam o contrato imposto pelo rei D. Fernando no Pacto de Salvaterra. Isto é, serviam os decretinos superiores interesses do Estado contra quem qualificavam como doidinhos e rebeldes...
Os textos são papéis... a não ser para os que fazem a pátria à imagem e semelhança das respectivas teorias, teses de doutoramento, parecerísticas ou afundações...
Aljubarrota não foi Portugal contra a Espanha. Foi a nova legitimidade da futura segunda dinastia, desencadeada pelos burgueses de Lisboa, contra a feudalidade da formal rainda de Portugal, D. Beatriz, casada com o rei de Castela e com muitos do Portugal antigo ao lado. Sou pelos rebeldes, mas não sou parvo. O nosso exército só venceu porque integrava ingleses com direito a "pum", a artilharia...
Jogámos na balança da Europa de então, escolhendo aliados, contra os adversários que integravam adversários cá de dentro. "Ficai sabendo que, entre os portugueses, alguns traidores houve algumas vezes". Cito Camões, de cor... E acrescento que a designação de traidor só acontece se os que se levantarem contra os traidores vencerem...
Miguel de Vasconcelos também era formalmente um legítimo gestor dos negócios públicos antes de 1 de Dezembro de 1640. Tal como o conde de Andeiro, antes da revolta dos capitalistas e negociantes de Lisboa, comandados por Álvaro Pais...
2010 não é 1385 nem 1640, muito menos 1890, apesar do ambiente de Ultimato. Ainda não cantámos "A Portuguesa". Temos Zé Manel em Bruxelas como governador e a mania das companhias majestáticas. Era melhor não haver estrondo, não nos compararmos com os grandes Estados e potências e não sofrermos com as teorizações do Estado Exíguo, julgando que ainda pode haver um imenso império colonial...
Estrategicamente, as principais potencialidades aparentes, as grandes empresas de regime, podem ser as principais vulnerabilidades. São zonas do poder do estadão mais apetecidas para ocupações e OPAs. Nunca as devíamos ter deixado crescer em concentracionarismo de recursos públicos...
Empresas de grande dimensão e até mesmo multinacionais, devemos ter ambição em criá-las, mas seguindo exemplo de Estados com a nossa dimensão: em parceria estratégica. Até com Espanha, se coincidirmos em interesses e salvaguardarmos a honra. 2010 não é 1640 nem 1383-1385. Aprendamos com holandeses, helvéticos e catalães. Tenhamos juízo!
PS: Um dos primeiros textos contemporâneos de relações internacionais, publicado em Londres por um liberal exilado (Garrett) e que permitiu a nossa independência no século XIX, quando deixámos de ser púcaro de barro em confronto com a panela de ferro do Estado espanhol e conseguimos o Tratado de Paris que fez com que a península entrasse na dupla tutela de Paris e Londres, através da Quadrupla Aliança, apesar de termos que engolir o osso da Convenção do Gramido. Porque, como dizia outro liberal exilado, Portugal apenas é independente quando os portugueses mostram a vontade do ser independente! Sou naturalmente europeísta e nacionalista, adepto da aliança peninsular, sem armadas invencíveis e com muito abraço armilar. Não sou soberanista e prefiro o federalismo europeu, o da Europa das pátrias. E até sou iberista, se o contrato não for feito entre Lisboa e Madrid, mas com Santiago de Compostela, Bilbau, Barcelona, etc... Viva Pi y Margall!
<< Home