a Sobre o tempo que passa: A falhada conversa dos sem família

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.10.04

A falhada conversa dos sem família



Apesar dos óculos de envelhecimento, da fotografia do Papa, lado a lado, com a dos rebentos, bem como do enquadramento florido e pictórico, o peso da pose de estadão acabou por esmagar a solidão de um homem que, enterrado no cadeirão negro que Marcelo Caetano usava para as conversas em família, afinal nem sequer teve a coragem de assumir-se como mistura de Gabriel Alves e de Zandinga, conforme profetizou, em tempos já esquecidos, o actual presidente da Comissão Europeia. Ficou-se pela demagogia "trapalhona" e "atabalhoada" (presidente da CIP dixit), num discurso eleitoralista, prometendo "bacalhau a pataco".

Passadas poucas horas dessa emissão em diferido, sem teleponto, mas com muitas mãozinhas comicieiras, o situacionismo brincava às ideologias, determinando, através das altas escolhas do critério jornalístico, o que era a esquerda e o que era a direita, num cozinhado prós prós e contras, contra os quais eu estou no contra, isto é, no extremo-centro.

Acontece que, ao fazer "zapping" para o comentarismo futebolítico, assisti, ao vivo, à inconfidência do dia, emitida pelo irmão da antiga ministra das finanças, sobre o saneamento que lhe foi movido pelo nosso actual Primeiro, quando, nas televisões, os grandes líderes políticos de hoje eram representantes do Benfica e do Sporting, de Cinha e Rui Gomes da Silva ao actual distribuidores de vencimentos, pensões, subsídios, tachos e comentadores políticos.

No dia em que foi preso mais um autarca laranja e apesar de Pedro nos ter comunicado que vamos ter "uma janela de esperança", com "muitas cimeiras", que, talvez, o levem a deixar de ser o "unknown man", acordei, hoje, com excertos da intervenção de Mário Soares, sublinhando a trapalhada da intervenção lopista e farpando no Marcelo porque, entre as muitas qualidades que manifesta, nunca terá sobressaído a da "coragem". Vale-nos que Pedro proclamou: "conheço o país...tenho muito trabalho a realizar... pagarei as dívidas".

Esta manifesta falta de qualidade da emissão, face às anteriores actuações a preto e branco de um Vasco Gonçalves e até de um Marcello Caetano, revelam como, mesmo a nível da comunicação política, já estamos abaixo dos conselhos de Ramiro Valadão ou de um Jorge Tavares Rodrigues. Porque mesmo um produto chamado PSL, sempre poderia ser embrulhado com outro papel de fantasia, dado que o pronto-a-vestir com que o enfarpelaram nem sequer já seria sugerido por publicitários brasileiros ao José Eduardo dos Santos.

Sugiro que, nas próximas aparições teledemocráticas, o nosso Primeiro use um estilo mais pós-moderno, desde uma cadeira ergonómica não-negra, estilo Jorge Sampaio, até a um discurso menos próximo do estilo "big brother", que bem poderá encontrar em http://www.elsewhere.org/cgi-bin/postmodern/

O que mais me incomoda nas recentes movimentações das marceladas e pedralhadas é que tenho de chegar à conclusão que o velho Estado moderno se deixou enredar nas teias dos especialistas na conquista e manutenção no poder no âmbito dos clubes, dos partidos e das autarquias.

Competentíssimos nesses domínios da fulanização, grande parte dos figurões que nos regem não percebem que atingiram, há muito, as raias a partir das quais estão condenados a pisar os terrenos da incompetência.