a Sobre o tempo que passa: No princípio está a persuasão

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.10.04

No princípio está a persuasão



Continuando memória das aulas:

Importa agora analisarmos as principais etapas através das quais se desenrola o processo político, onde o elemento fundamental é o poder político, aquela forma intencional de poder que procura o consentimento.

Em primeiro lugar, para obter-se o consenso, temos a persuasão. Neste caso, o governante apela para o governado através de argumentos, apelos e exortações, colocando o governado numa posição de igualdade, sem invocar a sua posição hierárquica de superioridade.

Com efeito, na política, aquele que tem o poder-dever de mandar, de governar, começa sempre por utilizar a palavra para a comunicação daquela mensagem que tem em vista obter a adesão dos que têm de obedecer.

Antes de tudo, o governante procura a adesão do governado pela palavra.

Tal era flagrante na polis, porque, como observava Fénelon (1651-1715), entre os gregos, tudo dependia do povo, e o povo dependia da palavra.

Era o próprio Aristóteles a reconhecer que o homem é o animal que possui o discurso (logos), salientando que a voz do homem não é apenas um conjunto de sons que servem para indicar a dor e a alegria, como acontece com os outros animais. A palavra do homem, serve, sobretudo, para comunicar um discurso. E é graças ao discurso, que o homem tanto comunica a dor e a alegria, como também o justo e o injusto.

O homem, como animal racional, é sobretudo, aquele que tem o dom de comunicação pela palavra. Assim, o animal político é um animal comunicacional, aquele que utiliza o discurso, que tem o dom da linguagem.

A palavra é, portanto, o alicerce ou o elemento fundacional do político, enquanto a força que instaura a comunicação. E é através do discurso que se torna possível a racionalidade.
Neste sentido, podemos até dizer que conquistar o poder é sobretudo conquistar a palavra. O chefe político é aquele que discursa, aquele que impõe um discurso, aquele que tenta transformar o conceito em preceito.

Até porque a polis é um grupo de pessoas a quem compreendemos e por quem somos compreendidos, um grupo de pessoas que compartilham hábitos complementares de comunicação, uma comunidade de significações partilhadas, conforme as palavras de Karl Deutsch.

Da mesma forma, Hannah Arendt proclama que a política surgiu na praça pública, na agora ateniense ou no forum romano, nesse lugar onde os que são livres e iguais podem encontrar-se em qualquer momento, nesse lugar de encontro e de diálogo entre os homens livres.

A política começou assim por ser a acção livre e a palavra livre, onde a palavra e a acção não estavam separadas. Aliás, aquele que levava a cabo grandes acções devia também ser capaz de proferir discursos em consonância.

A política é assim o ser-um-com-o-outro e o falar-em-conjunto-àcerca-de-qualquer-coisa, o espaço público-político é para os gregos o espaço comum (koinon) onde todos se assemelham, é igualmente o único espaço no qual todas as coisas podem ser valorizadas tomando em consideração todos os seus aspectos.

Desta forma, a democracia e a política, em vez da sabedoria dos filósofos, exigem a phronesis e, consequentemente, a persuasão e a comunicação mútuas.

Assim, a persuasão tem a ver com o método tópico e argumentativo, onde se deve encarar uma coisa a partir de vários pontos de vista opostos e, depois, sob todos os seus aspectos, essa capacidade de ver realmente as coisas de diferentes perspectivas

É que, ver uma coisa de diferentes perspectivas equivale a ter várias pessoas a perspectivar o mesmo problema, dado que assim cada coisa aparece, de cada vez, sob diferentes perspectivas