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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.10.04

Gelo quente não existe...



Realizou-se hoje o primeiro debate na Câmara dos Deputados entre o novo presidente do conselho dos progressistas regeneradores, António Maria Fontes Pereira de Melo e o novo líder dos progressistas históricos, José Luciano de Castro Corte Real, com o primeiro a acusar o partido do segundo de ter criado «ilusões» nos portugueses quando esteve no Governo, tendo dado como exemplo as estradas de macadame sem custos para os utilizadores.

António Maria declarou: «Sabemos a importância que tem levar as diligências a tantos pontos do país. Não dizemos passe que é grátis e a conta aparece oito anos depois. Iludir as pessoas, enganá-las e depois reconquistar a confiança é muito difícil, mas é isso que vamos fazer. As mulas que puxam comem palha e a dita cuja está a aumentar em cada dia que passa devido à crise na Andaluzia e aos problemas da seca em Marrocos. E quem passou de cavalo para mula, não quer agora a via do jerico».

Já José Luciano decidiu atacar a legitimidade de António Maria, lembrando que o actual presidente do conselho nem foi eleito pelos portugueses nem em nenhuma reunião de marechais do partido progressista regenerador.«O senhor presidente do ministério nunca ganhou em nenhuma reunião de marechais nem umas eleições para a câmara dos deputados e nenhuma reunião de marechais regeneradores poderá transformá-lo naquilo que não é: um chefe do governo escolhido pelos portugueses».

José Luciano aproveitou ainda para comentar o anúncio do ministro da fazenda António Serpa quando à descida dos impostos e aumento dos salários, a que se acrescenta a contenção do défice nos três por cento, afirmando que «gelo quente não existe».

«Não pode comprar o seu estado de graça à custa do estado de desgraça dos portugueses», acrescentou.

Fontes respondeu que tinha sido nomeado por decisão de El-Rei baseada na maioria parlamentar e em pareceres do Conselho de Estado.



Na réplica, Luciano acusou o chefe da governação de «falta de jeito para presidente do conselho e de insuficiente preparação em matérias de viação, dado que confunde burros, uma espécie protegida, com as mulas de reforço e as bestas da oligarquia», numa directa alusão aos galopins e influentes do partido progressista regenerador. Citou até o senhor D. Pedro V que denunciou o fontismo como simples "canalhocracia".

Referindo-se à golpada que afastou Rodrigues Sampaio das crónicas na Revolução de Setembro, salientou: «Vai ser uma nódoa que o perseguirá até ao fim, porque o que se passou foi indigno de um partido verdadeiramente liberal, que invoca os gloriosos heróis do Mindelo».

Fontes lamentou que Luciano não veja que a «economia está a crescer e que as receitas da fazenda estão a aumentar, fazendo assim o jogo dos miguéis e dos exaltados radicais». «Como a realidade não lhe convém, o partido progressista histórico quer viver de casos de ficção, mas os portugueses, felizmente, não querem isso, dado que estão satisfeitos com os romances de cordel publicados no Almanaque do Moniz», concluiu.

Segundo vários observadores, António Maria apareceu mais solto e loquaz do que nas intervenções anteriores, principalmente depois da carta que recebeu de Alexandria, com a aceitação da proposta feita a D. Carolina Ferreira Pinheiro Alves para a direcção do Diário de Lisboa.


Qualquer semelhança entre o texto emitido e as presentes circunstâncias não é apenas coincidência. A história constitui, na verdade, o género literário mais próximo da ficção.