a Sobre o tempo que passa: Rocco Buttiglione

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.10.04

Rocco Buttiglione



Ontem, a notícia mais importante do dia foi a da reprovação de Rocco Buttiglione como comissário europeu. O destacado professor e filósofo político, um dos mais marcantes nomes do jusnaturalismo neo-tomista, centrista de sempre, bem próximo do pensamento de João Paulo II, revela um dos mais graves vícios da nova Europa, o da censura implícita do novo politicamente correcto.

Apesar de não ser um praticante católico e não nutrir qualquer simpatia pelo modelo berlusconiano, tenho de reconhecer que, com este europês mental, um tal Karol Wojtyla nunca poderia ter sido eleito e transformar-se na personalidade mais marcante da segunda metade do século XX.

Com este europês mental, acabamos por ter que chafurdar nestas águas chocas das direitas que convêm à esquerda e das esquerdas que convêm às direitas, para que, em vez de maçonarias e congreganismos, funcionem os serões, as caçadas e as conversatas dos Melos, Espíritos Santos e outros que tais, metendo cunha ou dando ordens aos seus assessores de imprensa e às suas empresas de venda de imagem, para que protejam os respectivo feitores, feitos políticos.



É graças a esta cobardia colectiva da burgesia multinacional que o fundamentalismo gerou as alqueidas e os alqueidões, num processo que também levou Portugal a ter como primeiro-ministro este pedro das cinhas e este paulo p´rás curvas. Do mesmo modo, somos obrigados a gramar, como brilhantes intelectuais da esquerda e da direita, aquilo que os burros da direita e da esquerda nos impingem comunicacionalmente.

A punição por delito de crença revela a gravidade do actual momento europeu. Quem quiser ser alguém neste mercado intelectualês e politiqueiro não convém que se mostre um fervoroso católico, pois logo passa a ser integrista e fundamentalista. Do mesmo modo, se manifestar as suas convicções heterossexuais, corre o risco de ser perseguido pelos trejeitos inquisitoriais dos inúmeros "lobbies" de "gays" que estão no poder mediático, político, diplomático e editorial.