a Sobre o tempo que passa: Folhas do meu cadastro (1)

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.10.04

Folhas do meu cadastro (1)



Face aos inúmeros testemunhos que têm vindo a público sobre actos de saneamento, censura, persiganga, afastamento e outros que tais, movidos pelo presente situacionismo, decidi começar a publicar alguns excertos do meu arquivo pessoal sobre as delícias do presente totalitarismo doce, a nível do poder infra-estrutural.

Começo por uma missiva dirigida a um dos inspiradores ideológicos do director de um dos principais diários da nossa praça, bastante íntimo do novo grupo de "think thank" que constitui a matriz doutrinária daquela nossa direita governamental que tem traduzido Bush em calão "pós-moderno".

Exª S... D... e Pós-D... M... da ..:

Ao tomar conhecimento das afirmações de Vossa Excelência, publicadas no "Diário...", e submetendo-me às cronológicas e analíticas deduções que, muito cientificamente, decretou, sugiro que, em nome da fidelidade constitucional, promova a necessária aplicação da legalidade quanto à efectivação da necessária punição proibitiva, sobre as organizações fascistas, ao ... a que pertenço, denunciando a circunstância ao Ministério Público.

Como militante e fundador dessa pérfida organização, para que tão ingenuamente fui arrebanhado, e no seguimento de reiteradas afirmações tão doutorais como a de Vossa Excelência, confirmando, aliás, outras prévias determinações de outros dois colegas do douto colégio científico onde se insere, e sem qualificar tal processo como campanha inspirada por patriarcais semeadores das luzes do milénio, que nisso têm conveniência e oportunidade, apenas me permito solicitar os fundamentos científicos de tal isenta qualificação, agradecendo que me possam ser indicadas as vias bibliográficas e as recolhas de informação existentes em Vossa distinta pesquisa, no sentido da prova de tão feliz e livre expressão, sem recurso aos agentes da ex-Pide e da ex-KGB que frequentam certos círculos universitários, onde, eventualmente, podemos cruzar-nos.



Caso Vossa Excelência tenha consigo a verdade qualificativa, quero, desde já, manifestar-lhe a minha disponibilidade para a instituição de um rápido e eficaz movimento de caça aos fascistas que livre a nossa democracia pluralista desses ferozes bandos de extremistas da direita e, caso seja possível, também de outros não menos ferozes criadores dos totalitarismos do centro, da direita e da esquerda, incluindo ex- e actuais fascistas, estalinistas, trotskistas, maoístas, miguelistas, congreganistas, integralistas, maurrasianos, ministros de Salazar, Vasco Gonçalves, admiradores de Pol Pot e outros que tais. Espero que disso sejam isentos certos devaneios juvenis de totalitarismo esquerdista de actuais e pretensos professores e monopolizadores do conceito de democracia.

Com toda a solidariedade extintiva, e reconhecendo a eficácia da regra propagandística que determina o "menti, menti, que da mentira alguma coisa fica".

José Adelino Maltez, detentor do exame da quarta classe do ensino primário lusitano.