O "soundbyte" contra os "soundbytes" e a falta de prumo
Porque hoje é sexta e não é treze, aconteceram-me muitas daquelas coisas que profeticamente desejava, só porque muitas outras, dramaticamente, as provocaram, especialmente este prazer da palavra deslizando, onde, escrevendo e rescrevendo, sempre à procura de quem sou e que, felizmente, não acho, para poder continuar a procurar, acabei por chegar antes, pelo tal lume da intuição, ao que, às vezes, apenas se atinge atrasadamente, pelo silogismo dos rácios. Agora que já amainou a febre informativa sobre o "tsunami", depois de quase fechadas as contas dos cerca de 160 000 mortos, regressam as novas que não são novas, dos pormenores das campanhas, das sondagens e das muitas contratações futeboleiras.
António Vitorino diz que não emitirá "soundbytes", mas o registo que, dele, afinal, nos é trazido apenas se reduz a um "soundbyte" contra os "soundbytes", porque, em tempo de campanha, pela própria natureza de tal coisa, toda a mensagem que tem conteúdo é minimizada pela forma e mediocratizada pela concorrência comunicativa que a nivela por aquilo que se fica pela mera aparência. Aliás, ninguém consegue raspar o verniz que nos oculta a verdade inteira das coisas íntimas. Campanha é "slogan", altifalante, comício, palanque de teatrinho, onde os políticos têm que ser os exagerados publicitários de uma banha que pinta de esquerda o que é da direita e que põe a direita a piratear a esquerda. E todos fingem que é verdade a própria mentira em que chafurdam e os sustenta.
Apenas desejaria que, em tempo de cegos, tivesse olho, o homem comum, e que o mesmo, através da abstracção chamada povo, se assumisse como o rei de si mesmo, não desperdiçando a plenitude da respectiva soberania na inutilidade do voto dito útil, no comodismo da abstracção que apenas é desleixo, ou na ilusão de escolha pela falsa aposta num desses partidos "catch all", nesses "omnibus" que pilham tudo, estando à direita e à esquerda, conforme os sinais de vento da moda que mexem na madeixa cataventosa dos respectivos líderes.
E se acontecer que o povo escolha o mais do mesmo, há que aceitá-lo, mesmo que seja criticamente. Apenas se demonstrará a falta de alternativas sustentadas, face a um situacionismo que, mesmo que passe para o outro lado do rotativismo, pode continuar a fazer dançar "boys" recém-chegados, ou retornados, mas com idêntica música, consagrando-se o triunfo da clausura sistémica.
Porque apenas há intermediários comunicativos que, descodificando as vozes de cada um dos emissores, as retransmitem àquelas amplas zonas do eleitorado que não conseguem ler as mensagens complexamente elaboradas. E não há mensagem políticas que consigam deixar de ser complexas. Logo, o binário do jogo de transmissão de dados resulta da circunstância de cada um dos inevitáveis intermediários irem perdendo, sucessivamente, a luz da boa intenção incial do criador do conteúdo inicial. Logo, o argumento motor vai-se diluindo em vulgata, pelo que prevalece o discurso mais eficaz do propagandismo.
Mais do que um rumo, ou que a resistência ao voltar acreditar, falta-nos prumo, porque ninguém consegue endireitar com varas tortas. E espanta-me como sua excelência o ministro das finanças, diga, do líder da oposição, que ele padece de "um défice de prudência, um défice de competência e um défice de convicção". Porque assim se responde ao conselho de Sampaio quanto à necessidade de um pacto de regime sobre a matéria. E sua feliz, ou felina, excelência, invocando a tecnocracia autoritarista de quem detém o monopólio dos "dossiers" onde se guardam, a sete chaves, as premissas informativas, sem as quais não pode haver sustentadas promessas, não deve brincar ao silogismo logicista, pintando, com a respeitabilidade do prestígio funcional do cargo, que exerce apenas em nome e para benefício de todos nós, uma descarada campanha de oposição à oposição.
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