a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Libertação, precisa-se!</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.1.05

Libertação, precisa-se!


São Julião da Ericeira, segundo fotografia roubada ao meu amigo J. Carvalho Fernandes

É do alto destas falésias, entre ventos e marés, que normalmente me escrevo e rescrevo. E tendo sempre na memória uma das primeiras guerrilhas de libertação nacional da história do mundo. Aqui a Oeste da Europa, no Centro da memória de um Portugal que, para se libertar no plural, exige a libertação de cada um dos singulares portugueses que somos. Para aqueles que entendem o sebastianismo como uma tolice utópica e passadista, aqui se recordam os efeitos práticos de um mito activista que sempre serviu de pretexto para uma efectiva movimentação para a mudança. Sou dos que acreditam que D. Sebastião ainda não morreu. Venha para sempre o necessário Quinto Império. O do Espírito Santo, Mateus açoriano, e do poder dos sem poder. Se hoje, não, amanhã será.

Mateus Álvares, natural da Vila da Praia (Açores) era filho de um pedreiro. Tomara o hábito de noviço no convento de S. Miguel, próximo de Óbidos e passara mais tarde para o da Cortiça, na Serra de Sintra. Depois, abandonando o claustro, foi habitar num eremitério, sob a invocação de S. Julião, próximo da Ericeira.

A aventura do célebre Rei de Penamacor, que tomara a iniciativa dos falsos D. Sebastião impressionara vivamente o espírito público. Não se falava em outra coisa em Portugal. Diz-se que os visitantes do eremitério, narrando ao eremita aqueles sucessos, notaram o ar misterioso e triste com que ele os escutava; esta circunstância foi notada com insistência. Havia então a crença de que D. Sebastião, conhecendo os erros que tinha cometido, os estava expiando voluntariamente. Daqui o povo naturalmente suspeitaria que o eremita fosse D. Sebastião, porque além disto, a semelhança física com o rei desejado era notável e a idade devia ser aproximadamente a mesma.

A princípio, era só a plebe que se ocupava do que se passava no eremitério; porém os boatos tomaram vulto e um rico proprietário afirmou que reconhecia perfeitamente D. Sebastião no eremita. Soube-se em Lisboa do alvoroço que ia na Ericeira, pois nesta vila contava já Mateus Álvares grande número de partidários e o governo, assustado, enviou o corregedor Diogo de Fonseca investigar do que havia. A esse tempo o falso D. Sebastião reunira uns oitocentos homens que, ao chegar o corregedor, se dispersaram. Uns esconderam-se nas concavidades dos rochedos e os outros, que eram pescadores, fizeram-se ao mar, não conseguindo Diogo de Fonseca prender nenhum. Tal fuga tranquilizou o governo; mas mal saíra o corregedor da Ericeira, os partidários de Mateus Álvares tornaram a reunir-se como por encanto; este então, para pagar com gratidão esta prova de fidelidade, distribuiu recompensas à larga.

Pedro Afonso, o principal privado do suposto rei, começou a chamar-se D. Pedro Afonso de Menezes, Marquês de Torres Vedras, Conde de Monsanto, Senhor da Ericeira e Governador de Lisboa. A filha de Pedro Afonso, escolhida por Pedro Álvares para sua esposa, foi coroada Rainha no largo principal da vila, com um diadema furtado a uma imagem da N. Senhora da capela do Espírito Santo. Mateus Álvares, passando a lua de mel em S. Julião, aparecia pouco na Ericeira, talvez para não perder o prestígio. Ocupava as horas de ócio escrevendo a diferentes fidalgos, imitando o mais possível a letra de D. Sebastião. Escreveu cartas a D. Diogo de Sousa, o comandante que transportara o exército português à África e foi ainda mais além, pois atreveu-se a mandar uma carta ao Arquiduque Alberto, então regente do reino, intimando-o a que saísse de Portugal.