Falta cidadania militante à democracia política
Neste fim de semana, depois de dois meses de intensa politiqueirice campanheira, a febre de notícias começou manifestamente a passar. Fiquei, assim, a saber que Manuela Ferreira Leite concorda com o programa do Governo "em termos de ideias" e que o PSD lhe deve dar "o benefício da dúvida". Reparei que, no jornal o "Público", se fala em crescimento da pobreza: "Temos mais pessoas a pedir e menos para lhes dar". Notei que, ao "Expresso", Santana Lopes, já regressado ao seu democrático lugar de presidente da Câmara de Lisboa, admite recandidatar-se a tal posição. E que, na madrugada de domingo, dois agentes da PSP foram baleados, na Amadora, enquanto se diz que Freitas do Amaral vai ser expulso do Partido Popular Europeu.
Mas o prémio de político do fim de semana informativo vai para Isaltino de Morais. Primeiro, porque dá uma grande entrevista ao jornal de Pinto Balsemão, garantindo "só eu posso ganhar Oeiras", pelo que está "disposto a engolir sapos e elefantes". Segundo, porque ficou a saber, no domingo, que os militantes laranjas, em referendo, o elevaram à suprema missão do candidato.
O problema talvez esteja nos números: tal como 308 câmaras municipais do país têm 350 processos por ilegalidades, ficámos a saber que a disputa entre Isaltino e Zambujo/Marques Mendes foi decidida por 349 militantes, dos quais 307 votaram a favor de Isaltino. A estatística falará em 90% de activistas, mas a verdade obrigar-nos-á a reconhecer como o país inteiro está controlado pela partidocracia, por aquilo que Michels referia como a lei de ferro da oligarquia. Afinal, o partido mais militante de Portugal, o PSD, aquele que, neste momento, dever ter tantos militantes activos quanto a soma dos equivalentes de todos os outros partidos, brinca às minorias sociais, num concelho urbano, fiscalmente rico e socialmente bem colocado.
É evidente que três centenas de activistas poderiam fazer um maravilhoso comício com jantar dançante e vigorosas palmas. Pior: outros grandes partidos governamentais mais não são do que dez vezes estes isaltinados, em termos de militância, como facilmente se poderá comprovar, lendo as actas das eleições de delegados para um qualquer congresso. Julgo, aliás, que se o Ministério Público descesse, de repente, sobre todos os partidos formalmente registados, inquirindo pericialmente, com a ajuda de politólogos e sociólogos, sobre os militantes activos, descobriria que apenas quatro ou cinco conseguiriam demonstrar que atingem o número dos cinco mil activistas mínimos. Isto é, verificaríamos que a democracia está doente, sendo bem menos popular do que as igrejas e os clubes de futebol. Uma câmara como a do Oeiras depender de uma votação com participação inferior à eleição de uma qualquer eleição de uma assembleia de estudantes de uma qualquer escola secundária de Trás-os-Montes atinge o nível do delírio. Quase como aquele candidato a líder do CDS que nem sequer conseguiu ser eleito delegado ao congresso.
Não vou entrar, naturalmente, na habitual transformação de Isaltino no bode expiatório do sistema. Conheço-o pessoalmente e sei traçar-lhe o rasto, com informações privilegiadas e que não posso divulgar aqui. Apenas digo que ele sofre da tentação de Sebastião José de Carvalho, imagem que quotidianamente o inspirou no seu gabinete de Oeiras e impulso que o levou a não reparar no erro de ter pisado o risco do princípio de Pedro, quando aceitou ascender à categoria ministerial, talvez em rivalidade com a imagem que tinha do seu vizinho Jorge Coelho, que sempre quis imitar. Apenas gostaria que o Partido Socialista me explicasse a razão pela qual nunca candidatou um dos seus pesos-pesados à autarquia dominada pelos investimentos da Teixeira Duarte. Cá por mim, cidadão de Oeiras, que nunca votou em Isaltino, gostaria de não estar condenado a votar como o fiz da última vez: nos meus amigos, velhotes e comunistas, para a freguesia; nos putos de direita para a assembleia municipal; e nos socialistas para a câmara. Oeiras precisa de mudança e não é a aliança de Zambujo com Ernâni Lopes e Marques Mendes que mo garante.
Nunca votarei no que Isaltino representa: a distribuição de fichas de militante da JSD a miúdos do ensino secundário, depois de os convidar para uma discoteca, pagando bebidas de um maço de notas que trazia no bolso; a construção de muitos bairros pretensamente sociais que se transformaram em pequenas bolsas de não-cidadania para pessoas de origem africana; a falta de clareza nas relações entre o poder económico imobiliário e as decisões políticas locais; a criação de uma partidocracia autárquica, ao ritmo do Bloco Central de interesses; a instrumentalização politiqueira de universidades e intelectuais subsidiodependentes. Isto é, uma democracia sem cidadania!
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