Viva o centrão dos instalados!
As notícias da politiqueirice saíram do palco mediático. Uma qualquer entrevista de Portas, Jerónimo ou Santana já não tem muita razão de ser. E as disputas entre Mendes e Menezes, ou entre Telmo e Zezinha, apenas têm algum destaque tribalista. Importa mais saber quais vão ser os ministros e os seus ajudantes, antes de causar alguma breve excitação o debate parlamentar em torno do programa do governo. E mais destaque parece ter a conversa que Daniel Proença de Carvalho teve em casa dos Melos, ou a última reflexão de Vital Moreira no seu "blogue". Chegou a hora dos especialistas em transicionologia.
Um deles, ex-comunista e ex-socialista, conhecido advogado de negócios, com excelente curriculum, tanto em processos criminais como na gestão de interesses e investimentos, continua a apresentar o respectivo cartão de visitas de porta-voz do capitalismo à portuguesa, o que, para muitos, ainda continua a ser sinónimo de "liberal", especialmente se foi um dos "ministeriáveis" de Santana. Já o segundo, também ex-comunista, impressiona-nos com a moderação e os intensos e sinceros elogios à postura de Sócrates.
De qualquer maneira, bastou um simples resultado eleitoral para que a maior parte da nossa elite comunicativa viesse confessar que não vale a pena mudar o sistema, porque as regras do jogo permitiram a eficácia da mudança. Até se reconhece que as mensagens emitidas pelas candidaturas de Menezes e Mendes nada têm de ideológico, dado que apenas demonstram o pragmatismo de quem quer ganhar votos no chamado centro. Como se este fosse uma coisa estática e não dependesse das sacudidelas que, pela esquerda e pela direita, o tornarão excêntrico. Depois estranhem que Jardim lance nova cruzada contra os "neoliberais" e os "cavaquistas", de acordo com a palavra de ordem de Hugo Chávez, sem boina vermelha, mas com o mesmo venezuelismo.
As nossas volúveis classes mediáticas, especialistas na análise conformista, mas "ex-post-facto", as mesmas que ainda há pouco clamavam contra os malefícios do sistema político e as presentes regras do jogo, depressa mostraram a respectiva face ultraconservadora, até porque em equipa que ganha não se mexe. Afinal, de um momento para o outro, pela varinha mágica do eleitoralismo, o país deixou de estar deprimido, a desertificação do interior desapareceu, a pobreza foi eliminada, a corrupção, extinta, a pedofilia, extirpada e, com a justiça finalmente instaurada, todos passámos de bestas a bestiais.
Imediatamente, Ernâni Lopes, o consultor-mor do reino e do Bloco Central de interesses, veio propor a imediata diminuição em dois terços dos funcionários públicos, mas sem englobar na coisa as empresas de assessoria onde dominam as entidades públicas ou publicamente controladas. Como se fosse possível brincar com abstracções como "administração pública" ou "funcionário público", para que se confundam, em tais coisas, tribunais e hospitais, repartições de defesa do lince ibérico ou universidades, repartições de impostos ou serviços camarários da recolha de lixo.
Quem mistura médicos com mangas de alpaca, investigadores científicos com jardineiros do Palácio real, delegados do ministério público com motoristas do presidente da junta, operadores de radiotelegrafia com pilotos supersónicos, não conseguirá jamais conjugar uma realista reforma administrativa, até porque não é capaz de levar o direito positivo a reconhecer a necessidade de um "tertium genus" entre os que procuram o lucro e os que servem o público, coisa que talvez fosse conseguida pela cópia de certas "corporations" anglo-americanas e que não se confundem com as nossas associações públicas. Os mesmos que estragaram a ideia de "outsourcing", em benefícios dos curto-prazo das campanhas eleitorais e dos atavismos da corrupção e do clientelismo, fazendo engordar escritórios de advogados e algumas "multinacionais do direito".
A hipocrisia é tal que os mesmos que proibiram acumulações de actividades docentes não estabeleceram uma única regra quanto ao duplo emprego da parecerística e da consultadoria e que bem se pode provar pelo recurso à mera comparação de declarações de rendimento. Assim se compreende como o neocorporativismo triunfou, como o clientelismo campeia e como será impossível, com este modelo, lançar uma ética democrática. O centrão dos instalados vai continuar a mandar se todos forem a caminho do mesmo centro, apenas com diferenças nas "nouances" e nas equipas devoristas. Se o PS e o PSD/PP forem apenas duas faces da mesma moeda, poderão entusiasmar-nos as serôdias dissertações dos senadores da república, nessa entoação do Frei Tomás, mas manter-se-ão os mesmos tiques escleróticos de um sistema que nos continuará a apodrecer por dentro. Tenhamos esperança!
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