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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.3.05

Notícias do bloqueio, sem memorial dos conventos



O país mais à esquerda da Europa, o nosso, onde começa a tornar-se preocupante o consumo de antidepressivos e antibióticos pelos que daqui não podem escapar, para poderem ser portugueses à solta, parece ter jornais que se preocupam em estabelecer a lista dos mendistas, menezistas, portistas e monteiristas, por causa dos cavaquistas, santanistas, barrosistas, freitistas e adrianistas, bem como de outras faunas e "troupes" da nossa fragmentária e feudal decadência.

Entretanto, passando os olhos pelas outras notícias que embalam esta secura da friorenta pátria, fiquei a saber que Vitorino, o socialista, que, graças à Europa, já é bem maior do que a sua própria terra de nascença, dispõe de uma reforma superior ao vencimento do nosso presidente, prefere ser advogado a ministro, numa altura em que um qualquer sobrejuiz observa que as demoras da justiça são provocadas pelas manobras dilatórias dos advogados e em que um advogado, que é ministro dos advogados e dos magistrados, diz que a salvação do PSD passa pela cara da economista-financeira Ferreira Leite. Já a jornalista Constança do "jet-set", prima de três quartos da classe alta de Lisboa, disputa em vedetismo com a actual companheira de Pinto da Costa, talvez na leviandade dos insultos.

Se continuarmos a feudalizar-nos em contabilidades suicidas de quem trocou os princípios pelo neo-maquiavelismo dos pretensos homens e mulheres de sucesso; se continuarmos a não reparar como as modas do pimba, depressa, passam de moda, mesmo em tempo de saldos político-mediáticos, culturais ou morais, até poderemos assistir a novos programas televisivos com uma grande mesa dos comentadores teológicos sentados à volta do memorial do convento a comentar Maria Madalena, assim se demonstrando como o serviço público da RTP não sabe encontrar em Portugal suficientes universitários isentos de eclesiasticismo que sejam especialistas no simbólico e que possam cumprir a exigência de pluralismo que é imposta pelo conceito de serviço público. Isto, na terra de Fernando Pessoa, do Padre António Vieira e da Ordem de Cristo. A Santa Inquisição fez os seus efeitos.

Prefiro continuar a ler e a reler os recentes "Escritos sobre a Pele" de Teresa Vieira: "À palavra escrita/ formidável desafio". Porque "também surgem as coisas que se exprimem melhor não as dizendo". Porque "o espírito é um pássaro/a tal ponto admirável que sem asas/ voa". Porque "agora o tempo é de lavar o rosto com a origem das águas". Afinal, Portugal ainda existe, livre. Daqui a um par de anos, um desses pesquisadores da eternidade, há-de escrever um tratado sobre a matéria e os donos do poder comunicacional de hoje hão-de reparar na importância da Olivedesportos. Temor reverencial pelo emprego... "oblige"!