a Sobre o tempo que passa: Grandezas e misérias. Cerca de dois séculos de história política portuguesa

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.4.05

Grandezas e misérias. Cerca de dois séculos de história política portuguesa




Uma obra enriquecida pela originalidade de José Adelino Maltez


Não é fácil classificar em géneros esta enciclopédica obra de José Adelino Maltez - tal como, aliás, não é fácil enquadrar o seu pensamento nos grandes movimentos políticos ou filosóficos contemporâneos. O que, diga-se, não deve ser nada que desagrade a quem escreve, com evidente gozo: "Confesso sentirr-me o exaxto contrário do 'politicamente correcto' de todos os que hoje se carimbam como 'politicamente incorrectos'". É que, afirmando-se discípulo, entre outros, de Friedrich Hayek, Eric Voeglin e Leo Strauss, recusa no entanto "alinhar nas capelinhas, clubes e seitas neoliberais e neoconservadoras que, acirrqando aquela espécie de marxismo branco, tratam de transformar tais pensamentos de banda larga em restritas vielas ideológicas, com reservado direito de admissão e eonsequente prémio de citação".

"Tradição e Revolução. Uma Biografia do Portugal Político do Século XIX ao Século XXI", é uma obra em dois volumes que apresenta cronologicamente a história política portuguesa, de 1820 aos nosos dias - concretamente, até ao primeiro trimestre de 2005. Não se trata, todavia, de uma simples cronologia, na medida em que não se limita a relatar, rigorosa e exaustivamente, a história das revoluções e contra-revoluções, dos governos e dos partidos, dos dirigentes e das sucessivas teorias políticas e ideologias dominantes em cada época. Mais do que isso, analisa e comenta os factos, contextualiza-os relacionando-os com grandes acontecimentos ou desenvolvimentos filosóficos, políticos e sociais internacionais.

Estamos, assim, perante uma obra que alia a solidez da cronologia com as possibilidades analíticas da ciência política - o todo enriquecido pela independência e originalidade de José Adelino Maltez, assim como pela vivacidade e colorido da sua escrita. De que não se resiste a citar este exemplo, extraído da sua apresentação do Portugal retratado no seu livro: "Um império que já não há, uma língua que é futuro, dois regicídios, outros tantos magnicídios, três guerras civis, campanhas de ocupação e guerras coloniais em África, uma permanente guerra civil ideológica, três bandeiras, uma guerra mundial, seis constituições escritas, sete presidentes eleitos pelo povo, oito monarcas, a separação de nove Estados independentes e, muito domesticamente, quinze regimes, com duas monarquias e três repúblicas, sem que voltasse D. Sebastião, apesar dos heróis do mar e do nobre povo".

José Gabriel Viegas, in "Expresso", 2 de Abril de 2005 ("Actual", p. 48)