Afinal, não há apenas os "anti-europeístas do costume"
Rompeu ontem o bloqueio o primeiro esboço do movimento do "não" à Constituição europeia, depois das investidas propagandísticas de Sampaio e Cavaco, secundados por Barroso, Sócrates, Soares, Policarpo, isto é, todos os deuses do céu e da terra, do além e deste purgatório que já vai em quase meio milhão de desempregados. Afinal, numa primeira barragem de cooperações pelo "não", parece que a coisa não se reduz àquilo que o ungido cardeal de Lisboa, há tempos, qualificava como "os anti-europeístas do costume", nessa nova versão da aliança do altar com o trono, também assumida por uma ilustre politóloga da universidade concordatária que, anunciando a caça aos fascistas, reduzia os anti-europeístas do não-Bloco de Esquerda à extrema direita. Talvez ambos pensassem nos paradigmas euro-cépticos que, licenciados pela universidade em causa, chegaram a presidentes de dois partidos...
A grande vantagem que podemos recolher da lista dos primeiros apoiantes da campanha pelo "não" é que os velhos quadros do situacionismo mental que transformaram a defesa do "sim" no oficioso dos situacionistas mentais está na circunstância de estarmos já bem longe da defunta polémica entre os eurocépticos e os europeístas, onde os primeiros se acantonariam na extrema-direita e na extrema-esquerda e os segundos, no grande bloco central de interesses que, invocando os fantasmas dos nacionalismos fragmentários lançavam para os nossos olhos as maravilhas do mundo global, onde se inseria uma Europa toda cor de rosa sem espinhos.
Mesmo as sumidades politológicas de importação terão que alterar os relatórios pré-programadas dos caçadores de euro-cépticos alquebradamente salazarentos, dado que agora aparecem, ao lado do "não", convictos europeístas, certos federalistas, bem como sociais-democratas, socialistas, liberais, juntamente com conservadores, nacionais-revolucionários ou eternos adeptos da extrema-esquerda.
Apenas peço que não continuem a reduzir os adeptos do "não" aos habituais adjectivos diabolizantes que os escribas, os avençados, os adjuntos e os funcionários do rolo compressor da falsa democracia costumam inventariar. Também os ilustres convencionalistas que continuam convencidos da sua iluminação pelas línguas de fogo do verdeiro espírito santo europeísta, isto é, o da pomba não o da orelha, ou da banca, se não forem responsáveis pelos maior fracasso da história do projecto europeu, poderão apenas vangloriar-se de terem uma vitoriazinha de algumas décimas acima do abismo. E assim poderemos ter que aceitar uma pretensa decisão constitucional apenas baseada numa maioria simples, não qualificada.
Essa corte privilegiada das cúpulas da eurocracia, os que devoram toneladas de bibliografia cinzentíssima, deglutida pela fileira dos burocratas do sobe e desce, e que, para as sub-secções nacionais, vão emitindo as directivas interpretativas de forma não reciclada, continua a pensar que todos somos meros escravos amestrados, os tais bons alunos eternamente reverentes e obrigados. Desenganem-se, caridosas almas fidalgas dessas centrais de comando. Nem vós já sois as nobres figuras dos pais-fundadores da instituição, do aprofundamento e do alargamento, nem nós nos reduzimos aos comedores de vossos subsídios predadores e do pretenso monopólio que pensam manter sobre a inteligência oficial e oficiosa.
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