a Sobre o tempo que passa: A casta banco-burocrática

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.6.05

A casta banco-burocrática



No meu postal de ontem, bem antes de ter lido "O Independente" de hoje, já denunciava as silenciosas listagens que por aí andam com os rendimentos de outros reformados lusitanos, incluindo o de dois ou três actuais ministros que, mantendo-se no activo como funcionários públicos professorais, abicham mensalmente uns dourados cobres por temporariamente terem andado em comissões de serviço por sítios publicamente detidos, mas com vencimentos dourados que nenhum primeiro-ministro ou presidente da república aufere, mas que lhes dá legitimidade para nos obrigarem a gramar discursos sobre justiça social... Tenho a impressão que acertei em cheio. Mas a coisa não se fica apenas pela casta banco-burocrática e pelo sindicato das arcadas e do Bloco Central...

Campos e Cunha é mais um apenas de uma fileira curiosa, onde também constanvam ministros do antigo governo. Basta fazer-se uma listagem minimamente exaustiva, a que podemos acrescer ilustres deputados da Nação, ilustríssimos catedráticos-deputados, depois nomeados para altos postos de controlo, num jogo onde nos esquecemos de uma pequena circunstância. O presente Estado de Direito não resiste à hipócrita invocação do princípio da legalidade que até pode ser respeitado em pleno autoritarismo. Num Estado de Direito como o nosso, consagrado não em 1976, mas em 1982, a lei está dependente do direito e o direito está dependente da justiça. Logo, mesmo a postura dos que incorrem nessa assincronia, é passível de uma análise daquela juricidade que vai além da mera legalidade.

Mais: tal atitude é susceptível de um juízo político e está dependente do que pode ditar o tribunal da opinião pública. E tudo isto muito antes de a podermos analisar na óptica da moralidade. Mas aqui seria hipócrita não repararmos que a moral continua a ser a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo. Não entra na praça pública nem no espaço de cidadania.

Curiosa a defesa feita por António Borges do colega de casta: que Campos e Cunha tem "uma carreira profissional semelhante à de muitos portugueses". Acrescentaremos: só que tem a sorte de ter sido bancário público, que é bem mais do que ser professor público. Logo, não tem legitimidade para dar a uns o que tira aos outros, até porque ambos têm o mesmo patrão: o povo português. Claro que não "é preciso ser pobre para ser governante". Mas é preciso tratar os funcionários públicos como os outros gestores públicos, se ambos tiverem a mesma carreira e a mesma qualidade. Tiremos as máscaras. E não continuem a pagar os justos pelos pecadores. Tenho o direito à minha revolta como funcionário público que não quer ser servidor comunitário de segunda!