a Sobre o tempo que passa: O meu destino de menino nómada

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.6.05

O meu destino de menino nómada



Cumprindo meu destino de menino nómada, queria anunciar aos meus estimados leitores que é muito provável que, na primeira quinzena de Julho, a minha regularidade comunicativa neste blogue sofra uma interrupção, por inevitáveis dificuldades de ligação aos signos da minha rotina. Por outras palavras, largarei estes sítios por onde me tenho arrastado em espera e assumirei, sem metáfora, a condição de exilado. Por outras palavras, a partir da próxima semana, irei peregrinar por um "lugar onde" bem real. Logo, até estarei definitivamente longe dos locais onde me assumo como entidade subsidiária. Embora saiba que é difícil atingir a pátria prometida, aqui vos deixo alguns sinais do tempo que há-de ser, nesta procura de continuar a viver como penso, aqui e agora.

Eis-me sentado, em espera, aqui, no meio de tanta gente, onde até somos ninguém. Aqui à espera, como se fosse a primeira vez. É verdade que não sabemos muita coisa das coisas que não temos de saber, porque apenas sabemos do que importa mais saber: a certeza de sermos, deste sonho de a vida ter de ser mais... Aqui sentado, em espera de um avião qualquer que há-de vir do mais além, vencendo as nuvens de que se faz viagem. Aqui sentado, numa sala de partidas e chegadas, entre vidraças abertas e gente em seu vaivém, aqui sentado, à espera, nas asas deste sonho reencontrado. Que tempo será quando for sol?



Que tempo fará quando sorvermos o tempo que seremos depois da espera? Que tempo faremos quando sonharmos? Que música trará o sinal dos ventos? Que flor, que rio, quantas areias virão quando a névoa se guardar na curva da terra? Que tempo fará quando for dia e as mãos do sol, pela manhã, abrindo as janelas, me derem luz? Que mares trarão o sosssego, nos braços redes que vão colhendo os restos dos naufrágios? Que ondas serão os sonhos? Que travos de angústia venceremos diante do mar que nos supera?

Aqui à espera, em espera, escrevendo por escrever o que vou guardando, sem saber? Que tempo trará meu signo, que fogo será, que frutos? Há paisagens por sorver, mirantes e nespereiras, e pisando as sementeiras, sobre as pedras do passado, todos os muros serão depostos entre rendas e vergas. Que sinais trarão o sabor da tarde, que traços me darão a viagem sem fim, ou a fina melodia das muitas horas de mar?



Aqui à espera, em espera, sorvendo assim o fogo lento deste dia. Aqui à espera, em espera, onde sei quem na verdade sou, onde, perdido, me encontro e reencontro e, assim preso, me perco e redifino, no espaço livre que me dá sinais de mar. Aqui à espera, em espera, sorvendo a cartografia sentida da memória, neste mapa de silêncio que me dá força de chegar.

E no breve tempo que me dá o segredo, há um mote de procura que ensurdece. É a noite e o vento que reverdece aqui dentro, por mim dentro, sempre diante do que temo. Aqui à espera, em espera, sem o desespero de quem perdeu seu sonho, aqui, quem sou, inteiro, perto e longe deste mundo, aqui em espera, por mim dentro, palavra a palavra me perdendo. E no fundo do tempo de quem sou, longo mar me dá sinal, e há dunas divagando nas veias de um tempo feito semente.



Aqui à espera, em espera, sem que o tempo me vá doendo, aqui à espera de um tempo que moldámos, no fundo mais profundo que há-de ser, mesmo quando o vento nos der o mar revolto e em sonhos me confundir. E sempre estas palavras de um lirismo português, estes ritmos de um sonho por cumprir. É o tempo que me dá sinal desse mar que há-de ser. É o vento que me dá a flor que há-de ser. E serei para sempre meu sonho, nestas rimas automáticas que nem eu sei. Que quem espera assim, não desespera, porque há um tempo que apetece e há-de ser, na manhã que semeámos. Que venham rios de bruma, que o tempo todo nos traga as arribas do medo. Olharemos de frente o sol do tempo.