a Sobre o tempo que passa: Desobediência civil e resistência passiva

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.6.05

Desobediência civil e resistência passiva


Que diria o Bloco de Esquerda se a entrevista concedida hoje pelo seu dirigente José Soeiro ao PortugalDiário, aparecesse um líder da Frente Nacional, em pleno acampamento, a explicar o que é a desobediência civil? Que ela «consiste basicamente em ensinar as técnicas de desobediência civil». Aprender a fazer «boicotes», «ocupação de espaços públicos», «como se comportar numa manifestação» e «como resistir a uma agressão policial» serão alguns dos temas abordados. E necessários para os dias de contestação que correm. Mais acrescenta que se trata de «uma forma de luta utilizada desde o tempo de Ghandi», recordando que em Portugal tem sido utilizada pelos jovens universitários, nomeadamente «no combate às propinas, quando os estudantes invadiram vários senados nas universidades».

Isto é, o ilustre bloquista, brincando às palavras e às invocações, passa do conceito de resistência passiva ao de desobediência civil, definindo esta conforme aquela, como se isto fosse uma terra de cegos e só eles é que tivessem olho. Com efeito a resistência passiva é um nobre modelo de não-violência assumido por Gandhi e por Martin Luther King e que passa pela inércia física de uma massa de pessoas em manifestação, nomeadamente pelo corte de vias de comunicação, bem como pelas greves da fome, iniciadas, aliás, pelas sufragistas inglesas, pelas greves de zelo ou pelas greves com ocupação do local de trabalho. Até está próxima do modelo a auto-imolação pelo fogo, de que foi paradigmático o sacrifício do estudante checoslovaco Ian Palach, protestando contra a invasão soviética em 1968. Outra das formas são as marchas pacíficas com a formação de longos cordões humanos de manifestantes.


Por isso, tirando o monopólio da ideia de desobediência civil e de resistência passiva à extrema-esquerda, prefiro citar o clássico radical do liberalismo francês, Alain, o qual salientava que o cerne da política estava na relação entre a resistência e a obediência: o cidadão pela obediência assegura a ordem; pela resistência assegura a liberdade, dois termos que não seriam opostos, mas sim correlativos, porque não há liberdade sem ordem e a ordem de nada vale sem liberdade, pelo que haveria que obedecer resistindo, porque um homem livre contra um tirano, tal é a célula da política, isto é, obedecer em corpo; jamais obedecer em espírito; ceder absolutamente e, ao mesmo tempo, resistir absolutamente.